Baixa remuneração e precarização marcam trabalho docente

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Audiência nesta segunda (25) abriga seminário da UFMG que enfocou pesquisas sobre condição dos professores da rede estadual. 

Pesquisadores abordaram a condição do professor da rede pública estadual, durante audiência Álbum de fotos Foto: Guilherme Dardanhan

No contexto do neoliberalismo em que o Brasil está inserido, o trabalho de docentes da rede estadual de educação de Minas Gerais tem sido marcado pela baixa remuneração e precarização da atividade. Isso é evidenciado pelo aumento dos contratos temporários, pelo desrespeito ao piso nacional dos professores, pela perda de garantias trabalhistas e previdenciárias, levando a categoria ao empobrecimento e à deterioração social. 

Essas foram as principais constatações apresentadas durante audiência pública da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, na tarde desta segunda-feira (25/3/24). Por meio da iniciativa da presidente e da vice da comissão, as deputadas do PT Beatriz Cerqueira e Macaé Evaristo, a parceria entre a ALMG e a UFMG permitiu que a reunião abrigasse o Seminário Internacional de Pesquisa em Educação (Prodoc), realizado pela Faculdade de Educação dessa universidade.

Com o tema central “O estado do conhecimento sobre a condição docente de professores da rede estadual de educação de Minas Gerais”, o evento trouxe vários pesquisadores, que abordaram a questão sob vários prismas. Tratando da remuneração da categoria, Nayara Macedo, professora do Magistério Superior da Universidade Federal de Viçosa (UFV), abordou o processo de gradual perda do poder aquisitivo dos professores estaduais. 

Ela lembrou que, quando o Governo de Minas foi implementar o Piso Nacional dos Professores, aprovado em 2008, promoveu mudanças substanciais, ao criar o chamado subsídio, que acabou com as gratificações. Esse cenário de perda salarial gerou descontentamento na classe, que se sentiu desvalorizada e desmotivada com o fato de que o piso nacional acabou se transformando no teto dos professores mineiros. 

Designações

As pesquisadoras da Fundação João Pinheiro, convidadas do Prodoc, Marina Amorim e Ana Luíza Gomes trataram dos vínculos de trabalho vigentes no ensino estadual. Elas destacaram que os professores mineiros, em sua maioria, são contratados pelo sistema de designação desde 1990, contrariando premissas da Constituição Federal. A Carta Magna adota como paradigma de acesso ao serviço público o concurso e a contratação é tratada como exceção, para situações específicas. 

Segundo estudos analisados pelas duas, em 2014, havia entre os professores da rede apenas 43% de efetivos, dentre os quais 24,5% em sala de aula, sendo que o Plano Nacional de Educação preconiza 90% do pessoal efetivo nas redes de ensino. Os trabalhos científicos avaliados tentam explicar as motivações da adoção majoritária pelo governo de Minas do sistema de designação. 

Entre as justificativas para o governo adotar essa lógica, há uma econômica, pois é menos oneroso contratar de forma precária, com salário inferior (em média, 34% menor que o do efetivo). Como razão de ordem sociológica, as pesquisas questionam se a origem do descaso com a escola pública não teria relação com o fato de essa instituição atender aos filhos da classe pobre. No aspecto gerencial, a designação se mostra estratégica, permitindo ao governo se eximir de um planejamento para o setor, pois é fácil substituir um efetivo por um contratado.

Como impactos da designação em detrimento da contratação por concurso, as professoras da FJP detectaram a falta de um plano de carreira e da maioria dos benefícios concedidos aos efetivos: de 33 direitos desse grupo, o designado faz jus apenas a 10. O adoecimento da categoria também é maior entre os designados, levando a licenças mais longas para esse público.

O efeito sobre a qualidade do ensino também é visível. Os trabalhos científicos demonstram que as designações por longos períodos têm impacto sobre o desempenhos dos alunos. Já no caso de de substituições temporárias, mais curtas, o impacto é muito menor sobre o resultado educacional. A solução apontada por Marina Amorim e Ana Gomes é a realização de mais concursos públicos, apesar disso esbarrar em limitações impostas pelo Lei de Responsabilidade Fiscal.

Falta de carreira

Além do concurso, outro aspecto motivacional importante – a carreira – foi abordado por Alvanise Valente, da UFV. De acordo com ela, a carreira estimula que a pessoa se prepare, adquirindo a formação necessária para desempenhar sua profissã. A pesquisadora citou seu próprio exemplo para mostrar o quão importante foi a carreira nessa universidade para que ela se capacitasse até chegar a professora titular. “E o pessoal da rede estadual, tem essas mesmas condições? Não”, afirmou ela, lembrando que há normas estaduais que regem a carreira do pessoal da educação, só que não são implementadas.

Descontinuidade de políticas é marcante no ensino médio

João de Souza, professor de Sociologia da Educação da UFMG, citou como traço marcante na educação, a descontinuidade das políticas públicas voltadas para o setor. Esse fator, afirma, gera, entre outros problemas, insegurança nos ambientes educacionais e precarização do trabalho, tornando pouco atrativas as licenciaturas para professores. 

A desvalorização do trabalho docente fica evidente quando se observa que os professores são destinados a escolas situadas em áreas de vulnerabilidade e para trabalhar em horário noturno. Aliada a isso, a má remuneração e a perda da centralidade do trabalho do professor levam a um baixo prestígio da profissão. “Há um discurso recorrente de que valorizamos a educação, mas se não construirmos uma política de estado para que se valorize de fato o trabalho docente, daqui a 50 anos estaremos aqui falando da mesma coisa”, reconheceu. 

Maria Rita Oliveira, professora titular da UFMG, abordou o uso de tecnologias na educação. Lembrou que em 1980, foi criado o primeiro projeto governamental de informática na educação, com a participação dessa universidade e outras quatro. Na UFMG discutiu-se a inclusão de ferramentas como o computador, mas numa perspectiva crítica sobre o uso da tecnologia. 

O coordenador das pesquisas do Prodoc, Júlio Pereira, apresentou dados sobre a pesquisa do Prodoc como um todo. Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado (Fapemig), em edital de 2017, o trabalho envolveu mais de 50 pesquisadores, direta ou indiretamente, que se debruçaram sobre pesquisas realizadas entre 2008 e 2018 sobre a condição do docente ou sobre a situação da rede estadual de educação. Inicialmente, foram 201 trabalhos e com o refinamento da pesquisa, chegou a 158, sendo 141 dissertações e 17 teses. Como resultado, o grupo de pesquisadores apresentou ao final, 15 textos analíticos sobre o material estudado.

Destruição da docência

Como debatedor, o professor da Faculdade de Educação da UFMG Miguel Arroyo disse que chamou sua atenção em todas as falas o projeto de destruição da profissão docente promovido pelo poder público. E questionou se não haveria meios de os docentes falarem de sua história de autoconstrução, em vez de apenas apresentarem a história dos poderes. 

Ele sugeriu ainda que a insegurança e falta de reconhecimento do trabalho docente podem ter relação com a feminilização do magistério, posto que a mulher é a maior vítima da retirada de direitos. Arroyo aventa ainda a possibilidade da marginalização da escola pública ser consequência também do racismo, uma vez que nela só estudam alunos negros e pardos e que proporcionalmente, aumenta o número de professoras negras. “Os brancos estão na escola privada, em sua maioria, o que é uma forma racista de desumanização; se os alunos negros são segregados, os professores também serão; é a prova de que não temos, nem nunca tivemos, uma só docência”, concluiu.

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