Recuo da Fiemg traz alívio para defensores da Filarmônica

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Acordo de cooperação técnica que representaria despejo de orquestra é criticado em audiência. Entidade, Codemig e Secult descartam ameaça e garantem legalidade e transparência.

Com grande presença de público, a audiência da Comissão de Cultura que debateu tentativa de cessão da Sala Minas Gerais reuniu deputados contra e a favor da iniciativa Álbum de fotos Foto: Daniel Protzner

O anúncio na tarde desta terça-feira (16/4/24) do distrato do acordo de cooperação técnica entre a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) com a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) para a gestão conjunta da Sala Minas Gerais foi recebido com alívio pela maioria dos participantes da audiência pública da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A reunião para debater o tema, que já havia sido programada antes deste anúncio, atendeu a requerimento do presidente e da vice da Comissão de Cultura, respectivamente deputado Professor Cleiton e deputada Lohanna, ambos do PV, e do deputado Mauro Tramonte (Republicanos), que também integra o colegiado.

O acordo polêmico se tornou público no último dia 5 e vinha sendo interpretado como uma espécie de ordem de despejo da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, que utiliza o espaço por meio do Instituto Cultural Filarmônica (ICF).

O presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, participou da audiência e confirmou o recuo da entidade. O documento anunciando o distrato, segundo informações divulgadas na Imprensa, já teria sido enviado à Codemig com prazo de 30 dias para o encerramento formal.

O acordo entre Fiemg e Codemig já havia sido rechaçado pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCE-MG), que recomendou sua suspensão, e teria sido alvo de protesto do público no último dia 11, durante concerto da Filarmônica.

Na audiência da Comissão de Cultura, a iniciativa também foi alvo de críticas da maioria dos participantes, ao longo das mais de quatro horas de reunião. O debate teve a participação de mais de uma dezena de deputados, e o público interessado no assunto lotou diversos espaços da ALMG.

Professor Cleiton leu os principais termos do contrato assinado entre Fiemg e Codemig que, segundo ele, traz um precedente “altamente perigoso” para a administração pública ao não fazer um chamamento público para possíveis interessados pelo espaço. Na véspera, o parlamentar já havia visitado o Centro Cultural Itamar Franco, onde está a Sala Minas Gerais.

“Essa é uma das mais graves ameaças a um bem público que presenciei. Ele teria prosperado não fosse a reação da sociedade, desta Casa e do Tribunal de Contas. Este governo tem o costume de tratar os bens públicos como se fossem privados. Mas esse contrato supera até mesmo aquele assinado pelo Estado com a Minas Arena, um crime cometido contra outro bem público chamado Mineirão”, Dep. Professor Cleiton.

Na mesma linha, Lohanna também criticou o acordo, que segundo ela somente teria sido revisto em virtude da repercussão negativa. “Pegou muito mal porque não houve contato prévio com a Filarmônica. Podem até achar ruim, mas isso é crime, precisamos de impessoalidade no trato com a coisa pública. O que aconteceu foi uma promiscuidade”, afirmou Lohanna.

Cássio Soares (PSD) elogiou a trajetória da Filarmônica e criticou o acordo, que segundo ele teria sido assinado na “calada da noite”. “Tudo tem seu custo, saúde, educação, os regimes especiais de tributação (isenção ou desconto de impostos) concedidos pelo Executivo. E assim também é a cultura, que deve ser fomentada para pelo poder publico para chegar a todos”, avaliou.

Bella Gonçalves (Psol) e Beatriz Cerqueira (PT) também criticaram a postura do Executivo e da Fiemg. “Esse acordo de cooperação técnica não melhora o acesso à cultura. Isso não está descrito nos termos do documento. É a escolha de quem vai fazer privilegiadamente a gestão do espaço público”, criticou esta última.

Já Leleco Pimentel (PT) ironizou que, em meio às muitas críticas ao acordo, a Fiemg teria sido abandonada pelo governador.

Como contraponto, Coronel Sandro (PL) defendeu a legalidade do acordo e a autonomia do Estado para celebrá-lo porque, na avaliação dele, o espaço utilizado já estava cedido ao ICF, uma entidade de natureza privada que já recebe recursos públicos desde sua fundação, em 2008.

“O ideal seria uma licitação, mas existem excepcionalidades. Não se trata da privatização do espaço, mas apenas do uso nos dias ociosos. Se o acordo é mesmo ruim basta questioná-lo judicialmente”, defendeu o parlamentar.

Seu colega de partido, deputado Antonio Carlos Arantes elogiou a iniciativa da Fiemg para revitalizar um modelo de parceria que já estaria exaurido. “A Fiemg não queria tomar nada, mas fortalecer a Filarmônica e democratizar o espaço”, apontou.

“Imagina você estar na sua casa e cai na sua cabeça a informação de que no próximo dia 31 de julho tem que desocupá-la. Só ficamos sabendo do acordo com a movimentação do secretário de Cultura, da Codemig e da Fiemg, que chamaram toda a imprensa lá pra assinar e anunciar o acordo. Quando descobrimos os termos ficamos estarrecidos com o que estava no documento”, Diomar Silveira, Diretor do ICF.

Instituto reafirma que teria sido pego de surpresa

A cooperação pretendida entre Fiemg e Codemig valeria por 60 meses e nos planos do Executivo a Sala Minas Gerais contaria com apresentações da Orquestra Sesiminas, grandes produções musicais, nacionais e internacionais, espetáculos, eventos corporativos e celebrações empresariais. E o Espaço Mineraria receberia uma escola de Gastronomia do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e eventos sociais.

Mas o ICF, gestor do local, não pediu a rescisão contratual e nem sequer foi informado sobre a negociação, segundo confirmou, mais uma vez, seu presidente, Diomar Donizette da Silveira. Mas, pelos termos do acordo que seria firmado, segundo ele, a Filarmônica seria obrigada a desocupar todos os espaços até o próximo dia 31 de julho.

Ele confirmou que o contrato atual que o ICF tem com a Secretaria de Estado da Cultura (Secult) prevê a gestão do espaço por 20 anos, renegociado ano a ano. O instituto arca com a manutenção e operação do espaço, com valor total de R$ 4,5 milhões/ano, captando para isso recursos na iniciativa privada.

O regente titular da Filarmônica, Fábio Mechetti, reforçou as peculiaridades da Sala Minas Gerais, projetada para concertos sinfônicos e considerada uma das melhores do mundo. “Não há exclusividade, mas há limites. Não tenho nada contra a Fiemg ou o Sesi. Queremos respeito”, afirmou.

A antropóloga e produtora cultura Marcela Bertelli, do Conselho Estadual de Política Cultural (Consec), afirmou que a discussão sobre a Sala Minas Gerais não passou pelo colegiado. Ela também chamou de “leviana” afirmação atribuída ao secretário Leônidas Oliveira de que a Filarmônica receberia 60% do orçamento da Secult.

“Mesmo se fosse verdade, que valor é esse?”, questionou, ao citar que a Cultura tem apenas 0,3% do Orçamento do Estado. Ainda assim, a produtora afirmou que quando a Secult tem recursos, não executa. Em 2023, segundo ela, do total de R$ 18 milhões disponíveis para o Fundo Estadual de Cultura, apenas R$ 3,5 milhões foram executados.

O presidente da Fiemg, Flávio Roscoe, confirmou o distrato e lamentou que a Orquestra Filarmônica tenha perdido uma grande oportunidade Álbum de fotos Foto: Daniel Protzner

Fiemg diz que ameaça de despejo é falácia

Segundo o presidente da Fiemg, Flávio Roscoe Nogueira, a direção do ICF sabia antecipadamente da intenção de celebrar o acordo, cujos termos não puderam ser revelados até a assinatura formal, e classificou como “falácia” o argumento de que a Filarmônica seria despejada.

“Sempre apoiamos e continuaremos apoiando a Filarmônica na medida do possível, mas agora ela e o governo vão resolver suas pendências sem a Fiemg”, destacou, ao citar supostas pendências financeiras do ICF com o Executivo.

“Nossa intenção era aumentar o uso da sala e dar mais recursos para a orquestra, mas distorceram tudo. A Filarmônica perdeu uma grande oportunidade para ser de fato sustentável e mudar o patamar do ponto de vista das finanças, mas fomos atacados antes mesmo de apresentar nossa proposta. Quando vi que não queriam a nossa ajuda, resolvemos sair”, Flávio Roscoe, Presidente da Fiemg.

O presidente da Codemig, Thiago Coelho Toscano, também rebateu críticas feitas à instituição. Sobre a falta de licitação para o acordo de cooperação técnica, informou que o documento se enquadra em exceções para as quais ela é dispensada.

Quanto ao Termo de Permissão de Uso (TPU) assinado pelo ICF, Secult e a Codemig para a Sala Minas Gerais, o gestor esclareceu que o mesmo não é soberano, podendo ser rescindido de forma unilateral, conforme previsto no contrato de gestão.

O gestor alegou que em janeiro último teria sido encerrado o contrato de gestão, o que não significa a renovação automática do TPU. E, ainda de acordo com ele, o ICF nunca se pronunciou formalmente sobre seu interesse de renovar esses documentos.

Diante dessa falta de manifestação, de acordo com Thiago Toscano, em dezembro de 2023 a Codemig enviou ofício ao IFC comunicando o fim do relacionamento devido à dívida de R$ 2,9 mi do instituto com o Executivo, cobrada desde 2020 e devidamente auditada.

Ainda assim, de acordo com ele, a Codemig fez um aditivo contratual para manter a Sala Minas Gerais funcionando, apesar do descumprimento contratual, devido à dívida do instituto, que não se posiciona sobre a pendência há, pelo menos, três anos.

Na audiência, ele entregou ao Professor Cleiton documentos que atestariam esse suposto débito. Por sua vez, o deputado lembrou as dificuldades enfrentadas pelo setor cultural na pandemia.

Em resposta, o advogado do ICF, Renato Dolabella, esclareceu que todas as questões legais envolvendo esses contratos relacionados ao Centro Cultural Itamar Franco são regidas pela Lei 23.081, de 2018, que trata dos contratos de gestão, termos de parceria e outros relacionamentos do Estado com entidades privadas.

Nesse sentido, ele garantiu que o contrato de gestão da Sala Minas Gerais não pode ter seu objetivo alterado. Em 2020, o ICF foi designado para fazer essa gestão, por meio do contrato (que vence no fim de 2024), do qual derivou o TPU (com vencimento no meio deste ano).

Por fim, a subsecretária de Cultura, Nathalia Larsen, reforçou que a direção da pasta agiu com transparência no episódio e que o ICF foi avisado do andamento do acordo de cooperação.

Reforçou ainda que a Filarmônica sempre recebeu apoio do Executivo na forma de repasses mensais no total de R$ 19,5 milhões por ano, valor que representaria mais de 60% das chamadas verbas de livre destinação (em torno de R$ 32 milhões), ou seja, não carimbadas, à disposição da Secult.

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