Assassinato de garoto de 14 anos mostra falhas da polícia

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Depoimento de mãe ressaltou necessidade de política para reparação de vítimas de violência.

Ana Paula disse que seu filho de 14 anos foi assassinado porque a polícia confundiu uma peça de carro com uma arma – Foto: Willian Dias

Aos 14 anos de idade, Pablo Roberto Nunes de Farias era ajudante de mecânico em 2016. Saiu de sua casa para levar uma bobina de automóvel a um conhecido. No meio do caminho, quatro policiais militares em uma viatura confundiram a peça com uma arma. Após a ordem de parar, os quatro policiais nem saíram da viatura para disparar o primeiro tiro. O quarto tiro foi dado no peito, para matar.

O relato, aos prantos, foi feito pela mãe do garoto, Ana Paula Nunes de Oliveira, que na época vivia com a família no bairro Jardim Teresópolis, em Betim (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Ela foi uma das convidadas da audiência pública  realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quarta-feira (31/5/23). O objetivo foi discutir a criação de uma politica de reparação a vítimas de violência praticada por agentes do Estado.

“Você tem a polícia como alguém que vai te proteger, não tirar seu bem mais precioso”, lamentou Ana Paula, que hoje integra o Movimento Mães de Maio, que procura chamar atenção para os homicídios contra jovens da periferia, principalmente negros, e cobrar soluções para o problema.

Presidenta da Comissão de Direitos Humanos e autora do requerimento para a realização da reunião, a deputada Andréia de Jesus (PT) lembrou que o Mães de Maio foi criado em memória ao assassinato de mais de 500 pessoas por policiais do Estado de São Paulo, em maio de 2006, em reação ao ataque realizado por uma facção criminosa que resultou dias antes na morte de 50 policiais.

Andréia de Jesus é também autora de dois projetos de lei que tramitam na Assembleia para enfrentar o problema da violência institucional. São eles: o PL 1.360/19 que institui a política estadual de reparação às vítimas afetadas direta ou indiretamente pela violência em Minas Gerais; e o PL 1.161/19, que institui a Semana Estadual das Defensoras e dos Defensores de Direitos Humanos.

O PL 1.360/19 já foi analisado em duas comissões parlamentares e aguarda análise de mais duas antes de ir ao Plenário. “O projeto está na casa desde 2019 e essa discussão também é importante para sensibilizarmos os colegas”, afirmou Andréia de Jesus, cobrando a votação dos projetos que tratam do tema.

Para militante, reparação financeira visa pressionar o Estado

“A gente não quer a reparação, a gente quer parar de morrer. Mas a única forma de fazer o Estado parar de matar é começar a sacudir ele financeiramente”, afirmou Maria Teresa dos Santos, coordenadora da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade.

Ela lembra que a violência do Estado também atinge os próprios policiais. “Há um grande número de suicídios no sistema prisional, não dos internos, que às vezes são suicidados, mas dos agentes”, disse Maria Teresa.

Sobre a dimensão do problema, a articuladora política e institucional da Agência de Iniciativas Cidadãs, Viviane Coelho, citou números do Atlas da Violência de 2022, que traz dados do ano anterior. Em 2021, 77% das vítimas de homicídio foram negros. O número de homicídios de pessoas brancas caiu 33% e o de pessoas negras subiu 1,6%.

Já a doutora em Sociologia e Pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Ariane Gontijo Lopes, argumentou que a violência institucional é um problema estrutural, mas que isso não quer dizer que não se possa fazer nada. “Não podemos achar normal uma sociedade em que há 60 mil assassinatos por ano”, protestou.

O assessor de Relações Institucionais da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Lázaro Tavares de Melo da Silva, admitiu que a instituição comete falhas. “Erramos. O policial é recrutado nessa mesma sociedade. É um problema estrutural que vai além da polícia”, disse. Ele ressalvou, no entanto, que a defesa dos direitos humanos hoje faz parte tanto do currículo quanto da gestão da instituição, que pretende trabalhar em cooperação com a sociedade para combater a violência institucional.

Também o Ministério Público enfrentou críticas. “O Estado mata e o Ministério Público enterra, porque não investiga como deveria”, declarou Maria Teresa dos Santos. O promotor de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa dos Direitos Humanos, Francisco Angelo Silva Assis, disse que há vários projetos em andamento, tais como o teste de câmeras portáteis nas fardas dos policiais, algo que vem sendo feito pela Polícia Militar, com a ajuda financeira do Ministério Público.

A coordenadora da Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Bárbara Costa, elogiou o projeto de lei que tramita na Assembleia, mas sugeriu mudanças a fim de aproveitar a estrutura já existente no Estado de forma a garantir atenção a um número amplo de formas de violência.

Ana Paula de Almeida, da Superintendência de Humanização do Atendimento da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, disse que o órgão tenta trabalhar a prevenção, mas reconheceu que há problemas de falta de pessoal.

A deputada Andréia de Jesus criticou a falta de investimentos na área de direitos humanos do Governo do Estado e também questionou a desativação dos antigos núcleos de apoio às vítimas de violência.

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