Ensino Médio em Tempo Integral é criticado em reunião

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Participantes de audiência da Comissão de Educação consideram que novo modelo precisa ser, no mínimo, revisto, ou até mesmo, extinto. 

Alunos, professores e pais questionaram o Novo Ensino Médio Arquivo ALMG – Foto: Henrique Chendes

Críticas contundentes ao Ensino Médio em Tempo Integral (EMTI) marcaram a reunião desta quarta-feira (30/11/22) da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Professores e outros servidores de escolas e universidades, além de alunos, pais, sindicalistas e parlamentares consideraram que o novo modelo precisa ser reformulado e para alguns, até mesmo, extinto.

Na audiência pública que debateu o EMTI, os principais questionamentos recaíram sobre: a estrutura deficiente da maioria das escolas, imprópria para atender a estudantes, professores e outros funcionários, obrigados a ficarem 9 horas nesse ambiente; a inadequação de várias disciplinas à realidade dos alunos, parte deles preocupada com a necessidade de conseguir emprego ou sobrecarregados por já trabalharem à noite.

 Essas e outras questões têm feito aumentar a evasão e o abandono escolares, ao contrário do que previam os Planos Nacional e Estadual de Educação, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Diego Oliveira, economista e coordenador técnico da entidade, apresentou dados mostrando o aumento do número de pessoas de 15 a 17 anos fora da escola: Se em 2014, o percentual desses jovens era de 6%, em 2021, atingiu 18%.

Quanto à infraestrutura escolar, que engloba 22 itens (entre biblioteca, laboratórios de informática e de ciências, quadras poliesportivas…), o técnico mostrou tabela informando que apenas nove entre as 3.555 escolas estaduais mineiras (0,3%) contam com a estrutura completa. Também entre as escolas de EMTI, o percentual é baixo, 0,6%, correspondendo a cinco em 616.

Professores e alunos perdidos

Fernando Esteves, professor da Escola Estadual Tito Fulgêncio, em Belo Horizonte, destacou que essa instituição não tem estrutura material e didática para receber o novo ensino médio. Segundo ele, a implantação do EMTI foi feita de forma abrupta, sem nenhum critério e tanto professores quanto alunos se sentiram perdidos. Aliado a isso, não houve capacitação suficiente dos docentes para ensinaram as novas disciplinas, tornando o conteúdo pouco atrativo para os estudantes. 

Esse desinteresse, de acordo com Eduardo Moraleida, professor da E.E. Governador Milton Campos, tradicional estabelecimento da Capital, provocou evasão em massa. “Já tivemos 6 mil alunos; hoje temos minguados 189 matrículas. Isso chega a chocar”, alertou.

Revogação

Bartomelio Martins, vereador e professor da E.E. Raimundo Torres, em Viçosa (Mata), defendeu a revogação da lei que criou o EMTI. Para ele, justificam essa medida os prejuízos contabilizados com a adoção do novo sistema, entre eles, o adoecimento de funcionários e alunos da escola. Os primeiros, devido à altíssima carga de trabalho imposta, e os últimos, pela insatisfação com o currículo confuso, com 28 conteúdos e sem uma orientação para o mercado de trabalho.

Problemas semelhantes são enfrentados por Hivana Saback, diretora da E.E. Vinícius de Moraes, em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte). Conforme seu relato, na escola, foi implantado apenas o EMTI, que tem caráter propedêutico, ou seja, propõe uma educação iniciadora para uma especialização posterior. 

Dessa forma, a escola não oferece o ensino técnico, preferido por muitos de seus alunos, os quais optaram por buscar essa modalidade noutras instituições. De 18 turmas com 400 alunos, a escola passou a ter apenas quatro, com 90. “Os alunos estão insatisfeitos em ficar dois turnos na escola e depois saírem sem uma formação técnica”, disse ela, defendendo que sejam retomados o ensino técnico e o ensino médio regular. 

Na opinião de Manoel Rodrigues, professor da E.E. Alberto Geovanini, em Coronel Fabriciano (Região Metropolitana do Vale do Aço), escolas de tempo integral deveriam contar com professores de dedicação exclusiva, mas o Estado não fez essa opção. “Muitos professores ministram até cinco disciplinas”, afirmou.

Implantação do EMTI foi feita sem discussão

Alunos de várias instituições também condenaram o ensino médio em tempo integral. Henrique Nogueira, da E.E. Osvaldo Franco, em Betim (RMBH), defendeu cursos preparatórios que ofereçam formação profissional em áreas como enfermagem e computação. “Viemos aqui para buscar a mudança, com urgência; queremos o ensino técnico que possa nos ajudar no futuro”, bradou.

Eduarda Freire, aluna da E.E. Tito Fulgêncio, afirmou que a escola decaiu desde que EMTI foi implantado e sem nenhuma discussão com a comunidade escolar. Ela questionou uma das diretrizes do programa, a qual coloca o jovem como protagonista de sua vida: “Não fomos ouvidos, porque não queríamos o ensino integral”, reclamou.

E desqualificou várias disciplinas como a chamada “Ensinos orientados”, a qual, na opinião dela, “ninguém sabe do que se trata”, em detrimento de matérias importantes como física e química, que contam com apenas uma aula por semana cada uma. “O ensino médio integral não trouxe nada de positivo e seria bom acabar com ele. Se colocassem o ensino técnico seria melhor”, opinou.

Opinião semelhante foi expressa pela coordenadora-geral do Sind-UTE, Denise Romano, que defendeu a revogação do novo sistema. Para ela, o modelo precisa ser reconstruído a partir do debate com todos os atores da escola pública.

Estudantes trabalhadores

Já Maria Aparecida Barbosa, mãe de aluno da E.E. Osvaldo Franco, mesmo considerando a escola “muito boa”, destacou que seu filho estaria sendo prejudicado. “Meu filho está revoltado, com crise de ansiedade e depressão. Ele trabalha à noite e, de manhã, está cansado e não quer ir pra escola. Quando vai, fica dormindo na sala de aula”, relatou. Ela fez um apelo para que seja retomada na escola o ensino normal, para que “os jovens que queiram trabalhar possam ajudar no sustento”.

Fosso

Para a professora da UFMG Alida Leal, a reforma do ensino médio aprofundou as desigualdades entre escolas públicas e privadas e não contribuiu para democratizar o acesso à educação. Outros problemas apontados foram a fragmentação do currículo e a exclusão dos adolescentes trabalhadores da escola em tempo integral. Na avaliação dela, os jovens não foram considerados sujeitos de direitos. “Essa ‘contrarreforma’ do ensino médio está a serviço de um projeto autoritário de desmonte da educação”, afirmou.

Reformulação

A deputada Beatriz Cerqueira (PT), que solicitou a reunião, também apoiou a revogação do EMTI. E defendeu a reorganização dessa modalidade de ensino com um processo democrático, que garanta a participação da comunidade escolar. Entre os principais problemas que precisam ser superados, ela destacou a evasão escolar e a desigualdade da infraestrutura das escolas.

O deputado Professor Cleiton (PSB) considerou o novo ensino médio “um erro” e defendeu sua reformulação, com sua discussão inclusive pela equipe de transição do governo Lula. “Sob o pretexto de atender às opções pessoais de cada estudante, o Novo Ensino Médio restringe suas opções, obrigando todos a irem a uma escola ineficiente e cansativa”, declarou. Ela ainda defendeu nas escolas integrais a dedicação exclusiva dos professores, com melhores remuneração e qualificação.

Por fim, o deputado Betão (PT) propôs que a revisão do Novo Ensino Médio seja proposta ao governo Lula. “No novo governo, vamos ter que fazer pressão, apresentar uma pauta de reivindicações para revisar esse sistema e acabar com o teto de gastos”. Segundo ele, as duas medidas foram implantadas por Michel Temer, após o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e precisam ser revistas. 

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