Editorial | Momento de Reflexão

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É com grande entusiasmo que venho até você para oferecer um momento de reflexão sobre o Terceiro Setor, que nos últimos anos se expandiu de maneira considerável, em grande parte, devido à necessidade do Estado em estabelecer parcerias que possibilitem a consolidação do tão falado Estado Democrático de Direito.
Qualquer início de diálogo requer um prévio resgate de que o Brasil assumiu alguns compromissos para com sua população, os quais estão expressos em nossa Constituição de 1988, que têm como objetivos: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza; a redução das diversas desigualdades sociais; e principalmente a promoção do bem-estar de todos.
Alcançar tais objetivos, em boa medida, depende da implementação de políticas sociais e públicas eficientes. Neste sentido, alguns dos principais “desdobramentos” constitucionais caminharam na direção da implementação de dois grandes sistemas unificados: o sistema único de saúde (SUS) e, alguns anos mais tarde, o sistema único de assistência social (SUAS).
Em linhas gerais, os marcos regulatórios do SUAS avançaram através da tipificação dos serviços socioassistenciais, mas sempre reconhecendo que a garantia da proteção e dos direitos sociais é uma primazia do Estado, o que significa afirmar que o Poder Público possui obrigações relacionadas ao bem-estar da população, seja à nível federal, estadual e principalmente municipal.
Considerando que as entidades socioassistenciais são parceiras de longa data do Estado, a própria legislação que regulamenta a política de assistência social reconheceu que as ações, os serviços, os programas e os projetos devem ser planejados e executados, de maneira integrada, por “iniciativas” estatais e não estatais, isto é, entre o Poder Público e o Terceiro Setor.
Este reconhecimento da importância de ações integradas não é por acaso. É válido relembrar que tempos atrás as entidades socioassistenciais realizavam quase todo o trabalho social, sem muito apoio do Estado, dependendo do trabalho voluntário e de contribuições da sociedade civil. Esta realidade muitas vezes resultava em ações insuficientes e descontínuas, mas, quase sempre, eram as únicas opções acessíveis para as pessoas que não dispunham de uma retaguarda familiar.
Hoje esta interação entre o Poder Público e o Terceiro Setor continua sendo indispensável para o atendimento das diferentes mazelas e aflições sociais que ainda assombram inumeráveis famílias e indivíduos. A bem da verdade, em todo o país, o Poder Público não consegue executar diretamente todos os serviços socioassistenciais previstos na política de assistência social, sendo necessário o estabelecimento de parcerias – mediante chamamento público – que “terceirizam” para as entidades o atendimento de crianças, adolescentes, mulheres vítimas de violência, pessoas com deficiência, pessoas idosas e pessoas em situação de rua.
No âmbito de Franca/SP, por exemplo, as entidades são responsáveis pela execução da maior parte dos serviços socioassistenciais. E realizam com bastante afinco, qualidade e de acordo com a legislação vigente, vale registrar. O próprio Poder Público Municipal, em diversas ocasiões, já reconheceu o quanto as entidades do município têm empreendido significativos esforços para atender o reordenamento dos serviços, com vistas à melhoria no atendimento das demandas específicas de cada segmento.
Todavia, os dirigentes públicos das entidades reconhecem o quanto é difícil manter a qualidade do atendimento à população. Garantir a continuidade dos serviços requer disponibilidade orçamentária, seja para custear e capacitar as equipes de referência, empreender as reformas e adaptações necessárias, realizar a aquisição de mobiliário, utensílios, gênero alimentício, materiais didáticos e pedagógicos, além de outras despesas.
O problema é que o valor pago às entidades, em muitos casos, não é suficiente, deixando os serviços deficitários e fazendo com que os próprios trabalhadores das entidades (que já se dedicam bastante no dia-a-dia) tenham que se dedicar a realizar promoções, vender “rifas”, fazer almoços e jantares para cobrir despesas relacionadas à execução dos serviços de atendimento à população, os quais, fundamentalmente, seriam de responsabilidade do Estado.
Outra realidade comum à diversos serviços – especialmente os da política de assistência social – é que os mesmos acabam tendo despesas extras, as quais não são objeto da parceria e não podem ser incluídas no plano de trabalho. Muitas destas despesas estão relacionadas à saúde, como medicamentos, fraldas, consultas com especialistas, exames específicos e outras demandas que os usuários dos serviços possuem. No entanto, ao buscar tais parcerias com a rede pública, muitas vezes, o trabalho esbarra em processos morosos, burocracia excessiva e entraves que poderiam facilmente ser contornados. Percebe-se que falta a alguns gestores e agentes públicos o reconhecimento de que o trabalho do Terceiro Setor é em benefício da mesma população atendida pelo Estado.
Mas as dificuldades não acabam por aí. Infelizmente a conjuntura política não têm passado grandes seguranças! Ainda que a relevância do Terceiro Setor seja algo indiscutível, a observância da atuação do Poder Público, e o modo como o mesmo se relaciona com as entidades, lança algumas dúvidas e questionamentos sobre diversos aspectos. Muitas vezes a sensação que os dirigentes públicos possuem é a de que alguns representantes do Estado possuem dificuldades em dialogar com as entidades, tomam decisões sem qualquer tipo de consulta prévia e, o que é bastante preocupante, parecem desconhecer a complexidade financeira vivenciadas pelo Terceiro Setor.
De maneira geral, ainda é preciso avançar muito na maneira com que o Poder Público se relaciona com o Terceiro Setor. É importante haver o reconhecimento de que deve haver uma parceria recíproca, transparente, baseada em mesas de diálogo e negociação permanente. A relação entre ambos não deve ser baseada em aspectos de hierarquia, omissão ou submissão. Apenas este caminho levará ambos a uma parceria harmoniosa, com compatibilidade de expectativas. Quem sairá ganhando, com toda a certeza, será a população que faz uso de tais serviços.
Tenho certeza de que isto é o que uma grande parte dos representantes do Terceiro Setor desejam e esperam. Grato pela leitura.

Cloves Plácido Barbosa
Presidente do Instituto José Edisom
de Paula Marques (IJEPAM)
e da Fundação Espírita Judas Iscariotes (FEJI)


 

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