Desde novembro, a morte do apresentador Gugu tem trazido
questões bastante polêmicas que vêm sendo discutidas no Direito de Família e
Sucessões Brasileiro. A existência de um contrato de geração de filhos pode
afastar o reconhecimento de uma união estável? O companheiro pode ser excluído
da herança através de um testamento? Podem existir uniões estáveis simultâneas?
Conforme noticiado pela mídia, Gugu elaborou, em 2011, um testamento
reconhecendo apenas os seus três filhos como os seus únicos herdeiros legítimos,
excluindo a sua suposta companheira Rose Miriam de sua herança. Em relação à
parte disponível de seu patrimônio, que corresponde à 50% de seus bens, o
apresentador dividiu entre os seus filhos e sobrinhos, que são filhos de sua
irmã Aparecida Liberato. Além disso, estabeleceu que sua mãe receberia de forma
vitalícia a quantia de R$100 mil reais mensais, bem como o usufruto do imóvel
que reside e que era de propriedade de Gugu. Por fim, nomeou a sua irmã
Aparecida como inventariante e curadora dos bens herdados pelos filhos de Gugu,
impedindo, de forma explícita, que Rose Miriam administre os bens de suas
filhas menores.
A leitura do testamento diante dos familiares de Gugu causou um enorme mal
estar familiar. Rose Miriam sentiu-se injustiçada por ter sido excluída da
herança e acionou a justiça brasileira para pleitear os seus direitos,
apresentando algumas cartas, fotos e áudios para provar a união estável. Por
sua vez, os familiares de Gugu alegam que Miriam não era companheira dele e
apresentaram um contrato de geração de filhos celebrado entre Gugu e Rose
Miriam no passado.
Nesta quinta-feira (7), alguns portais de notícia publicaram que o chef de
cozinha Thiago Salvático acionou a Justiça para que também fosse provada sua
união estável com o apresentador. No processo protocolado na 9ª Vara de Família
de São Paulo e Sucessões do Foro Central da Comarca de São Paulo foram anexadas
algumas provas, como: comprovantes de viagens, fotos, registros de conversas em
aplicativos, investimentos administrados pelos dois e até mesmo contas de
serviços de streaming que Gugu e Thiago compartilhavam.
O Código Civil Brasileiro diz que para ser reconhecida a união estável deve
haver uma relação entre duas pessoas (mesmo sexo ou sexo oposto), pública,
contínua e duradoura com o objetivo de constituir família. Pelas informações
noticiadas pela mídia, Rose Miriam se relacionou com Gugu por 19 anos até a sua
morte, além de ser a mãe biológica dos três filhos do casal. Ademais, o casal
apareceu junto em diversas capas de revistas nacionais como se formassem uma
família. Já Thiago alega que se relacionou com Gugu por mais de sete anos e que
há três levavam uma vida conjugal.
Ocorre que a Justiça levou em consideração o contrato de geração de filhos
realizado entre Gugu e Rose Miriam e estabeleceram uma pensão alimentícia de R$
100 mil por mês em janeiro deste ano, decisão que foi derrubada em fevereiro,
alterando o valor estabelecido para cerca de R$ 42 mil. E o que vem a ser esse
contrato?
Apesar desse contrato não estar regulamentado no Brasil, sendo bastante comum
nos Estados Unidos, muitos advogados defendem a sua validade jurídica, ao
argumento de que as pessoas têm o direito e a liberdade de afastar o afeto das
suas relações pessoais. Assim sendo, o afeto permanece somente em relação aos
filhos, havendo uma relação parental (entre pais e filhos) e não uma relação
conjugal (entre os pais). Uma vez sendo válido esse contrato não poderia a
união estável ser reconhecida.
Caso Rose Miriam seja reconhecida companheira de Gugu, surge uma outra questão.
Afinal de contas, ela poderia ser excluída da herança através de testamento? Em
relação à condição do companheiro ser herdeiro, o Supremo Tribunal Federal já
decidiu que a união estável é equiparável ao casamento, não podendo haver
diferenciação em relação ao regime sucessório de ambos. Portanto, se o cônjuge
é herdeiro necessário, conforme determina a lei, o companheiro não pode ser
excluído da sucessão, sendo também herdeiro legítimo.
No entanto, o art. 1790 do Código Civil dizia que o companheiro tinha menos
direitos sucessórios que o cônjuge. Por exemplo, ele herdaria metade do que os
descendentes e os ascendentes do falecido herdam. Já o art. 1829 nunca
contemplou o companheiro como herdeiro necessário. Assim, a maioria dos
doutrinadores considerava que o companheiro poderia ser excluído da herança
através de um testamento.
Ocorre que em 2017, com o julgamento do Recurso Extraordinário 878.694/MG, o
STF declarou inconstitucional o art. 1790, devendo ser aplicado ao companheiro
as mesmas regras sucessórias aplicadas ao cônjuge, que são as seguintes: o
patrimônio será dividido de forma igualitária com os descendentes (filhos,
netos, bisnetos), na ausência dos descendentes o patrimônio será repartido com
os ascendentes (pais, avós, bisavós) e na ausência de ascendentes e
descendentes o cônjuge herda a totalidade dos bens do falecido.
Tendo em vista essa decisão do Supremo, a jurisprudência atual é no sentido de
considerar o companheiro herdeiro necessário.
Supondo que Miriam seja considerada companheira e, portanto, herdeira de Gugu,
diante da ausência de um contrato de convivência estabelecendo o regime de bens
do casal, o regime que prevalecerá será o da comunhão parcial. Ou seja, Miriam
tem direito à metade dos bens adquiridos por Gugu após o início da união
estável, que são chamados de patrimônio comum do casal. Em relação aos bens
particulares de Gugu, que são aqueles adquiridos antes do início do
relacionamento, Miriam será considerada herdeira e terá que dividi-los com seus
filhos e todos aqueles que foram contemplados no testamento por Gugu.
Resumindo, Miriam terá direito à 50% dos bens comuns e mais um percentual dos
bens particulares, que serão definidos pelo juiz do caso, o qual levará em
consideração o que foi estipulado no testamento.
Por fim, o que acontece caso Thiago Salvático consiga provar sua união estável
com Gugu? Caso Rose Miriam não seja considerada companheira e Thiago sim, o
mesmo será considerado herdeiro devendo partilhar os bens do espólio com os
outros herdeiros.
Mas e se Rose também for considerada companheira? Pode ser reconhecida essa
outra união estável? O Supremo Tribunal Federal ainda está julgando a
possibilidade de haver uniões estáveis simultâneas, não tendo ainda decidido a
questão. O julgamento foi interrompido. Por enquanto há juízes que reconhecem e
outros que não reconhecem.
Como podemos ver, o caso do Gugu é um exemplo de como as relações familiares
estão cada vez mais modernas e cabe ao Direito de Família se adequar a essa
nova realidade através da jurisprudência dos Tribunais para, posteriormente, o
Legislativo regulamentá-las.
Por enquanto, o caso Gugu reflete um planejamento sucessório que está gerando
um imensurável conflito familiar. Muitas questões íntimas do falecido estão
vindo à tona. Tomara que sirva de lição para todos nós. E que o judiciário
consiga decidir a questão da forma menos dolorosa possível.
*Debora Ghelman é advogada especializada em Direito Humanizado nas áreas de
Família e Sucessões, atuando na mediação de conflitos familiares a partir da
Teoria dos Jogos.
Fonte: Mariana Mimoso mariana.mimoso@digitaltrix.com.br – enviosrp.com