Promoção da igualdade racial precisa de metas, cronograma e financiamento

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Sétimo e último encontro regional de seminário promovido pela Assembleia foi realizado em Araçuaí para recolher propostas de combate ao racismo no Vale do Jequitinhonha.

O etapa de Araçuaí do seminário legislativo foi aberta com uma apresentação do grupo local Percussão Conexão Afro
Foto: Daniel Protzner

O estabelecimento de metas e cronogramas para execução de políticas públicas. A criação de fontes viáveis de financiamento para elas, como um fundo estadual de promoção da igualdade racial, acessível por diversas instâncias do poder público. E a implementação compulsória de conselhos municipais de promoção da igualdade racial.

Essas foram as principais sugestões apresentadas nas discussões do sétimo e último encontro regional do Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ao longo desta sexta-feira (12/7/24), em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha). O objetivo foi discutir com a população da região propostas para promover o combate ao racismo e à desigualdade de oportunidades.

O seminário legislativo visa ampliar o debate sobre o Projeto de Lei (PL) 817/23, que institui o Estatuto da Igualdade Racial em Minas Gerais. A proposta tem o objetivo de garantir políticas públicas para assegurar à população negra, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais seus direitos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação.

O PL 817/23 aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e é de autoria da vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha (PT), e das deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT) e Macaé Evaristo (PT). Essa última e o presidente da ALMG, Tadeu Martins Leite (MDB), enviaram mensagens aos participantes do seminário em Araçuaí.

O deputado Doutor Jean Freire (PT) também participou desta etapa regional, que foi aberta com uma apresentação do grupo local Percussão Conexão Afro, sob o comando do instrutor Ademir Ferreira. Desde 2007, jovens das periferias de cidades da região, com os corpos pintados e por meio dos seus tambores, promovem a cultura afro-indígena e reforçam a luta contra o preconceito. A participação dos parlamentares no batuque foi um momento de descontração antes do início das discussões.

“A gente discute demais sobre outros problemas, mas faz de menos contra a intolerância religiosa e a perseguição aos terreiros de umbanda, a violência obstétrica contra as mulheres pretas, o racismo no futebol, na educação e na ciência. Essa mudança precisa começar no lugar em que vivemos e por isso a Assembleia está aqui hoje.”
Dep. Leninha

Leninha conclamou todos a participarem da consulta pública online, que foi prorrogada até o próximo dia 19, por meio da qual os cidadãos podem encaminhar outras sugestões de iniciativas a serem desenvolvidas pelo governo. E também da etapa estadual do seminário da ALMG, em agosto.

Em Araçuaí, os grupos de trabalho reuniram 74 participantes, que apresentaram sugestões para um documento de referência do futuro estatuto sobre os temas “Direito à vida digna, acesso ao meio ambiente saudável, ao trabalho, à justiça e à segurança”, “Combate ao racismo, ações afirmativas e diversidade religiosa” e 3 “Financiamento de políticas públicas, representatividade e participação social”.

Entre as ideias apresentadas, estão titular os territórios dos povos e comunidades tradicionais, principalmente os povos indígenas e quilombolas, e garantir o cumprimento da Lei 24.767, de 2024, a qual dispõe sobre o atendimento das pessoas com anemia falciforme e outras hemoglobinopatias no Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme indicam estudos, 95% dos pacientes com a doença são negros.

Também foi sugerido recomendar a aplicação do futuro estatuto mineiro na ausência de outro marco normativo no município.

Destacaram-se, ainda, sugestões para a prevenção e a punição aos crimes de racismo, xenofobia, LGBTfobia e intolerâncias diversas, como a ampliação e interiorização de delegacias especializadas e a unificação de bancos de dados oficiais. Outras medidas sugeridas visam à promoção do chamado “letramento racial” para servidores públicos e para o público em geral.

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Em Araçuaí, a coordenação dos trabalhos coube à deputada Ana Paula Siqueira. Ela lembrou a recente aprovação na ALMG do PL 1.110/23, de autoria dela e das deputadas Andréia de Jesus, Leninha e Macaé Evaristo, instituindo, em Minas Gerais, o Julho das Pretas, que também busca mobilizar a sociedade em busca de promoção da igualdade racial.

“Minas Gerais tem 59% de pretos e pardos. Como somos a maioria da sociedade, nada mais adequado do que a Assembleia fortalecer essa pauta em busca de politicas públicas que cheguem na ponta”, destacou a parlamentar.

“Esse estatuto está finalmente abrindo caminhos pra gente construir, pela primeira vez, algo específico para o povo negro no nosso Estado. O desafio é reparar mais de 300 anos de chibatadas, pois, ainda hoje, nosso corpo preto é o mais barato do mercado. Nosso Estado tem nome de minas, mas também é gerais porque é diverso e, por isso, o estatuto tem que ter a nossa cara.”
Dep. Andréia de Jesus

Assim como outros participantes, Andréia de Jesus defendeu a importância de garantir recursos fixos no orçamento do Estado para implementar as ações previstas no futuro estatuto. “Será preciso um fundo que alimente o estatuto para que ele não precise se alimentar de migalhas. Que a promoção da igualdade racial seja uma política de Estado, assim como são os investimentos em educação e saúde”, avaliou.

É preciso avançar onde o estatuto nacional não conseguiu
O início das discussões nos grupos de trabalho foi precedido por uma palestra de contextualização sobre igualdade racial pela professora do curso de Serviço Social da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri (UFVJM), Claudilene da Costa Ramalho.

Ela lembrou a avaliação, feita dez anos depois, pelo senador Paulo Paim (PT-RS), considerado o “pai” do Estatuto Federal da Igualdade Racial, que entrou em vigor em 2010.

“Numa sociedade como a nossa, que nos faz achar que a cor da nossa pele é errada, muito teve que ser negociado e ficar de fora para que o estatuto nacional fosse aprovado. As cotas, por exemplo. Mas, mesmo assim, o senador Paulo Paim lamentou a falta de metas, cronogramas e, sobretudo, orçamento. O financiamento é central para que o futuro estatuto estadual se efetive.”
Claudilene Ramalho
Professora da UFVJM

Segundo a professora, poucos municípios mineiros têm seu Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial ativo, instância prevista no estatuto federal. Da mesma forma, lamentou que a Subsecretaria de Igualdade Racial tenha sido rebaixada a uma diretoria, o que daria a dimensão da importância do problema na atual gestão estadual.

“A Constituição Federal diz logo no início que todos são iguais perante a lei, mas será que existe mesmo essa igualdade num País com esse passado de escravidão? O racismo estrutural e o sexismo nos deixam muito longe dessa igualdade, que ainda é apenas formal. Por isso as políticas de reparação são tão necessárias”, avaliou Claudilene Ramalho.

A palestrante comemorou o aumento da presença de deputadas mulheres e negras na ALMG como fundamental para começar a quebrar essa ciclo vicioso da desigualdade. “Os espaços de poder no Brasil são brancos e masculinos, mas a pobreza é negra e feminina, os presídios são negros, as profissões de pior remuneração e até o desemprego é negro também”, denunciou.

Ela elogiou a participação das várias regiões do Estado na elaboração do futuro estatuto. Nessa linha, Claudilene Ramalho lembrou que o estatuto mineiro deve levar em conta até mesmo a existência de um “racismo ambiental” representado pela mineração predatória em algumas regiões, o qual impacta sobretudo a população negra e pobre, e a necessidade de promoção permanente do “letramento racial”, o que constou depois das propostas apresentadas nos grupos de trabalho.

“Quem lida com denúncias de racismo tem que estar preparado para orientar a vítima e prestar o devido apoio jurídico e psicológico”, explicou.

O Seminário Legislativo Estatuto da Igualdade Racial de Minas Gerais encerrou a fase de encontros regionais em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha
Foto: Daniel Protzner

Sem recursos, políticas públicas ficam só no papel
Entre os convidados da abertura da etapa regional estava o coordenador de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), Clever Machado, que reforçou a importância da criação de um fundo estadual de promoção da igualdade racial.

“Se não tiver dinheiro, as coisas não vão acontecer. Esse fundo precisa ser criado de uma forma que possa ser acessado por diversas secretarias”, pontuou.

Sobre a ausência de conselhos municipais desse tema, ele lamentou que atualmente apenas 32 municípios mineiros façam parte do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Sinapir).

Por fim, o titular da Coordenadoria Estadual de Combate ao Racismo e Todas as Outras Formas de Discriminação do Ministério Público, promotor Allender Barreto Lima da Silva, avaliou que o estatuto estadual pode trazer Minas Gerais para o “tempo histórico correto” com relação ao resto do País em temas tão específicos como as cotas raciais em concursos públicos.

Segundo ele, a política de cotas no ensino superior foi a maior política de igualdade racial já implementada no Brasil e deve ser replicada em outras áreas.

“O racismo estrutural é uma realidade concreta e demonstrada objetivamente, que não faz parte somente de uma visão de mundo, de uma ideologia. Quando existe bônus da vida social, é o corpo branco que lidera o ranking, mas quando é ônus, o corpo negro que aparece na frente”, afirmou o promotor.

Allender Silva ainda defendeu outras medidas como a criação de uma rede protetiva para as vítimas de racismo e a implementação de legislação que já existe prevendo a inclusão da cultura negra nos currículos escolares.

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Por: almg

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