Emenda à Constituição 110 também cria instrumento para TJMG julgar lesão resultante de ato ou omissão do poder público
O presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), deputado Agostinho Patrus (PV), promulgou, na manhã desta quinta-feira (4/11/21), a Emenda à Constituição 110, de 2021, que anistia 186 policiais militares que foram expulsos da corporação por participarem do movimento grevista de 1997.
A cerimônia, realizada no Espaço Democrático José Aparecido de Oliveira (Edjao), contou com a presença de dezenas de anistiados e seus familiares e foi marcada por pronunciamentos emocionados. Também participaram representantes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A emenda se originou da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 59/20 e foi aprovada de forma definitiva pelo Plenário no final de outubro. Ela tem como primeiro signatário o deputado Doorgal Andrada (Patri) e, originalmente, altera a Constituição Estadual para incluir, entre as competências do TJMG, o poder de processar e julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Trata-se de um tipo de ação judicial que visa evitar ou reparar lesão resultante de ato ou omissão do poder público.
Ao longo da tramitação, a PEC recebeu emenda, encabeçada pelo deputado Sargento Rodrigues (PTB) e assinada também por outros 27 parlamentares, que garantiu expressamente a anistia das punições administrativas e disciplinares a esse policiais, concedendo ainda aos atingidos o direito de retornarem aos quadros da Polícia Militar.
Também terão assegurados a contagem de tempo de serviço, a graduação e os demais direitos relativos ao posto que ocupam. Esse direito se aplica tanto aos militares da ativa quanto aos inativos.
Injustiça histórica
Após assinar a promulgação da Emenda 110, Agostinho Patrus lembrou que uma injustiça histórica foi finalmente corrigida.
“O que vivemos em 1997 se tornou, mais do que um fato histórico para Minas e para o Brasil, um exemplo a ser seguido por aqueles que se sucederam no comando da Polícia Militar, a lição para que sempre agissem com igualdade no tratamento de praças e oficiais. O que aconteceu não pode mais ser tratado como um crime, pois eram cidadãos que lutavam legitimamente por seus direitos”, destacou o presidente da ALMG.
Ele lembrou a participação decisiva do seu pai, o então secretário de Estado da Casa Civil, Agostinho Patrus, na mediação do acordo celebrado entre o Executivo e os representantes das forças de segurança que pôs fim à greve.
“Meu pai trabalhava no Palácio dos Despachos, bem em frente ao Centro de Operações da Polícia Militar, o Copom, e lembro da comoção após o cabo Valério ser alvejado e morto. Depois disso, quantas conquistas foram obtidas para as forças de segurança mineiras, inclusive aqui nesta Casa”, pontuou.
Reajuste só para oficiais deflagrou movimento
A greve dos praças da PM, segmento formado por soldados, cabos, sargentos e subtenentes, eclodiu no início de junho de 1997 e, no seu auge, se alastrou por outras forças de segurança, como a Polícia Civil e agentes penitenciários.
Os praças já denunciavam o rigor excessivo do código disciplinar da corporação à época, mas o estopim do movimento foi o reajuste salarial dado somente a oficiais. Mesmo com o acordo que também garantiu um reajuste ainda maior aos praças, o protesto resultou em cerca de 5 mil militares presos, 1.759 indiciados, 186 expulsos da PM e um morto – o cabo Valério dos Santos Oliveira.
Cabo Valério foi atingido por um tiro na cabeça disparado durante um protesto dos grevistas em frente ao Copom em 24 de junho daquele ano, o que precipitou o fechamento do acordo dois dias depois.
Na ocasião, milhares de praças e outros integrantes de forças de segurança se reuniram, após realizarem assembleias e passeatas pela Capital, em frente ao prédio do Copom, nas imediações da Praça da Liberdade. Mas lá foram contidos por militares trazidos do interior do Estado. Na confusão que se seguiu, com a ameaça de invasão do prédio, tiros teriam sido disparados por outro militar, que foi identificado, julgado e condenado.
Segundo subtenente, transferência foi exílio amargo
Com as retaliações aos grevistas, após mais uma longa negociação e diversos protestos de familiares, a Emenda à Constituição 39, de 1999, reverteu a exclusão, mas transferiu compulsoriamente os 186 praças para o Corpo de Bombeiros, que se tornou independente da PM.
O subtenente Magno Edmundo Magalhães, que representou o grupo de anistiados na cerimônia na ALMG, comparou a transferência como uma espécie de exílio amargo. “Foram 19 anos em um purgatório, fazendo o que não gostava e passando por vergonha e humilhação. Com certeza foi o maior trauma da minha vida”, contou, emocionado.
“Mas conseguimos vencer as adversidades que o destino nos reservou e agora voltamos para casa melhor do que saímos. A ferida agora se fecha e fica somente a cicatriz como marca da batalha”, afirmou o subtenente.
Ele agradeceu o apoio de todos os deputados estaduais na anistia, em especial às principais lideranças do movimento grevista de 1997, também presentes da cerimônia na ALMG, o deputado Sargento Rodrigues (PTB) e o ex-deputado Cabo Júlio. Um pouco antes, Magno Magalhães recebeu de volta ainda na cerimônia a carteira funcional da PM.
Para Sargento Rodrigues, dignidade foi resgatada
O deputado Sargento Rodrigues também não conteve a emoção ao se lembrar dos principais momentos do movimento grevista de 1997.
“Foi um momento excepcional da nossa história e não poderia deixar essa Casa sem conseguir resgatar de vez a nossa dignidade. Com a promulgação da anistia, é um peso que sai dos meus ombros e de todos os guerreiros de 1997”, lembrou.
Segundo o parlamentar, na época não foi respeitado o devido processo legal. “O que houve foi uma caça às bruxas, uma perseguição implacável a 186 pais de família. Somente nós temos a plena dimensão do que esta anistia representa agora”, disse.
Paralelamente à cerimônia, uma exposição de fotos do arquivo pessoal de Sargento Rodrigues lembrou aos presentes os principais momentos do movimento de 1997. Ao final, o deputado fez uma espécie de chamada de todos os nomes dos praças punidos que não poderão mais usufruir da anista em vida. O último nome citado foi justamente o do Cabo Valério.
ADPF – Em seu pronunciamento, o deputado Doorgal Andrada lembrou que a Emenda 110, além da anistia aos praças da PM, também traz outro importante avanço institucional ao incluir, no âmbito da Constituição Mineira, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Segundo ele, este é um dos instrumentos já presentes na Constituição Federal que não constava da Carta Mineira essenciais para o questionamento de atos inconstitucionais.
“Contamos com a importante ajuda da OAB nessa conquista, que, em última instância, será mais um mecanismo de proteção ao cidadão”, avaliou.
O parlamentar também agradeceu o apoio dos colegas na aprovação da medida, sobretudo a mobilização comandada pelo presidente da ALMG, já que na aprovação da emenda é necessário quórum qualificado, 48 votos favoráveis entre 77 deputados estaduais.