Neurocientista fala sobre como as agressões podem afetar a saúde física e mental da mulher
Dentro da programação da 19ª edição da Campanha Nacional Justiça Pela Paz em Casa, a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes transmitiu no YouTube a palestra “O que a neurociência tem a nos ensinar: trauma no contexto da violência doméstica e familiar”, nesta quinta-feira (25/11).
A palestrante foi a neurocientista com formação em psicologia clínica Regina Lúcia Nogueira, que integra os quadros do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).
Os debates foram conduzidos pela juíza da 2ª Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de Patos de Minas, Solange de Borba Reimberg, e pela promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (CAO-VD), Patrícia Habkouk.
Na abertura da palestra virtual, o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Gilson Soares Lemes, disse que convivemos com uma narrativa sequencial que marca uma desigualdade de tratamento entre homens e mulheres. Apesar de haver conquistas de direitos por parte das mulheres, há muito ainda a se fazer, afirmou.
O presidente Gilson Soares Lemes considera ainda ser necessária uma avaliação realista do atual cenário de contraste para o estabelecimento de “melhores estratégias para enfrentar o problema da violência doméstica e familiar contra a mulher, que é uma das mais dramáticas expressões dessa desigualdade”.
Sobre a neurociência, o presidente do TJMG observa que se trata de um campo de estudos em franca evolução. “A violência doméstica e familiar contra a mulher e os traumas que dela advêm merecem uma abordagem transdisciplinar, que possa olhar esse fenômeno sob diferentes prismas, que enriqueçam as abordagens no atendimento às vítimas e criem um quadro mais amplo e rico dessa questão. A neurociência vem para somar.”
Ainda na abertura da palestra, a superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Comsiv), desembargadora Ana Paula Nannetti Caixeta, disse que a ação educacional realizada se insere no escopo do programa Justiça em Rede Contra a Violência Doméstica. O programa surgiu para incentivar e apoiar os juízes a formar redes compostas por todos os serviços que atendam à mulher em situação de violência, abrangendo as diversas comarcas mineiras, com vistas a oferecer às vítimas um atendimento integral.
O Justiça em Rede busca fomentar parcerias entre entidades governamentais e não governamentais, nas áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação para efetivação de programas de prevenção e combate a todas as formas de violência contra a mulher, culminando com a estruturação da rede de atendimento.
A palestra
A neurocientista Regina Lúcia Nogueira iniciou a palestra afirmando que a neurociência passa por um momento de expansão em razão da revolução na técnica da captação de imagens.
A palestrante falou sobre a importância do cérebro no desenvolvimento do ser humano, capacitando-o a agir em diversos campos do conhecimento e imaginação, desde a criação de tecnologias de ponta a manifestações de ordem estética ou comunicativa.
Segundo ela, o ser humano evoluiu e passou a conviver e cooperar para atingir determinados objetivos. “Eles cooperam de acordo com significados ou interpretações que atribuem à realidade.”
A neurocientista acrescentou que, a partir do sentimento da necessidade de cooperar, os humanos passaram a criar redes de relacionamento para alcançar propósitos coletivos. Para exemplificar, ela citou a criação da rede de enfrentamento à violência doméstica citada pela desembargadora Ana Paula Caixeta.
“A criação de redes é uma união de esforços para minimizar danos físicos e mentais sofridos que podem resultar em traumas nas relações interpessoais no caso da violência doméstica e familiar”, disse.
Nesse cenário, segundo ela, a neurociência passa a atuar para compreender os impactos desses abalos no corpo, no cérebro e na mente da mulher.
“Estudos realizados pela WMH Survey Consortium, da Organização Mundial da Saúde (OMS), apontam que a violência praticada por um parceiro ou a violência sexual estão no mesmo nível que outros traumas provocados por guerras, mortes inesperadas, acidentes e violência física, entre outros”, afirmou.
Impacto
A palestrante esclareceu que as lesões pós-traumáticas, no caso da violência contra a mulher, podem parecer invisíveis, mas afetam a saúde das vítimas. Ela utiliza o mesmo estudo da OMS para dizer que tais abalos se manifestam como trauma físico ou psicológico – estresse e medo.
“Esses traumas podem levar a doenças cardiovasculares, transtornos de ansiedade, depressão, impacto na saúde reprodutiva, incapacidades, entre outros”, disse.
Há também casos de lesão cerebral traumática, a partir de golpes direcionados à cabeça, pescoço e face das mulheres. “Esses são os locais mais comuns quando relacionados à violência doméstica”, acrescenta.
Frequentemente, contudo, não há sinais físicos de que uma lesão cerebral tenha ocorrido, disse.
Entre os sinais de traumas, ela cita modificações no comportamento da mulher, como dificuldades de concentração, de pensar e de realizar atividades habituais, além de tonturas e fadiga.
A palestrante lembrou ainda que a violência doméstica não só afeta a mulher, mas reflete em seus filhos e filhas.
Como reflexos da violência doméstica em filhos e filhas, a palestrante aponta a obesidade, problemas comportamentais, depressão, baixa autoestima, baixa aprendizagem, redução nas habilidades de resolução de problemas, dificuldade de relacionamentos com outras pessoas, entre outros reflexos.
Regina Lúcia Nogueira defendeu a necessidade de se realizar um exame minucioso em todas as vítimas de violência doméstica para apurar se o abuso físico pôde levar a lesões cerebrais. Essa é uma proposta que os legisladores e juristas podem colocar em prática, sugere a neurocientista.
Debates
A juíza Solange de Borba Reimberg indagou à palestrante quais são os mecanismos que profissionais que acompanham as mulheres vítimas de violência devem adotar para atenuar danos dos traumas.
A neurocientista Regina Lúcia Nogueira disse que o tema é complexo e que há muitas dificuldades para intervir em casos de traumas. “É necessário, inicialmente, ter em mãos um check list para apurar se há sintomas de traumas para propor uma atuação.”
A promotora de Justiça Patrícia Habkouk elogiou a palestra e lembrou a necessidade de diagnosticar e compreender melhor o fenômeno das lesões invisíveis.
Ao final, a neurocientista Regina Lúcia Nogueira disse que a iniciativa pode ser um dos primeiros passos para que seja adotado, no sistema de proteção à mulher, um programa de intervenção baseado no conhecimento sobre traumas.
Participaram também da atividade educacional a superintendente adjunta da Comsiv, Paula Cunha e Silva; a superintendente adjunta da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes, Mariangela Meyer; o juiz Haroldo Dutra; o juiz auxiliar da Presidência Delvan Barcelos Júnior e o juiz auxiliar da 3ª Vice-Presidência, José Ricardo Véras.
Fonte: Diretoria de Comunicação Institucional – Dircom Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG (31) 3306-3920 – imprensa@tjmg.jus.br