Grandes empresas de MG colaboraram com a ditadura militar

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Pesquisas investigam participação de Fiat, Mannesmann e Belgo-Mineira na repressão a movimentos grevistas entre 1964 e 1985.

A Comissão do Trabalho recebeu pesquisadoras e sindicalistas para discutir a colaboração de grandes empresas com a ditadura militar – Foto: Elizabete Guimarães

Repressão a movimentos grevistas, ameaças a trabalhadores, policiais infiltrados em fábricas: estas são algumas práticas de grandes empresas que colaboraram com a ditadura militar entre 1964 e 1985. O resultado de pesquisas que investigam a atuação de três grandes empresas nesse período foi apresentado em audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta quinta-feira (28/9/23).

Em comum, segundo essas pesquisas, Fiat, Mannesmann (atual Vallourec) e Belgo-Mineira (incorporada pela ArcelorMittal) têm o fato de terem colaborado com os governos militares para reprimir movimentos grevistas e perseguir trabalhadores filiados a sindicatos. “A repressão à classe trabalhadora não tem outro objetivo senão reprimir qualquer tentativa de modificar o status quo”, explicou a pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Tayara Lemos.

No caso da Fiat, uma das práticas de repressão consistiria na infiltração de policiais nas assembleias de trabalhadores, com a missão de denunciarem funcionários engajados no movimento sindical. Segundo a pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Carolina Scarpelli, a empresa também oferecia suporte a operações policiais para reprimir greves.

A pesquisa conduzida na UFMG também identificou que a Fiat ameaçava seus funcionários de demissão, caso não colaborassem com o aparato de repressão da ditadura. A empresa teria estendido essas práticas de perseguição inclusive às famílias de seus funcionários. Segundo Carolina Scarpelli, muitas dessas práticas tiveram continuidade depois de 1985, quando a ditadura chegou ao fim.

Na Mannesmann, a repressão aos trabalhadores se deu no contexto das grandes greves de metalúrgicos, segundo a pesquisadora Tayara Lemos. Nas paralisações de abril e de outubro de 1968, os grevistas foram duramente reprimidos. Muitos foram demitidos e, segundo ela, entraram para uma “lista suja”, que dificultava a sua contratação em novos empregos.

A pesquisa da UFJF também identificou a participação de diretores da Mannesmann na preparação do golpe de 1964. Segundo Tayara Lemos, eles eram membros do Instituto de Estudos e Pesquisas Sociais (IPES), entidade que reunia empresários, militares e intelectuais anticomunistas que conspiravam contra o governo João Goulart. 

Uma reunião no Edifício Acaiaca, em Belo Horizonte, em janeiro de 1964, teria discutido ações militares e mecanismos de financiamento de um pequeno exército que o IPES tinha a intenção de formar. Esse encontro teria contado com a participação de dois diretores da Mannesmann, de acordo com Tayara Lemos.

Também há indícios da participação de diretores da Belgo-Mineira na articulação do golpe de 1964, segundo a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Marina Camisasca. Durante a ditadura, a empresa promoveu demissões em massa e colaborou com a prisão e tortura de seus trabalhadores.

Alguns chegaram a ser obrigados a desocupar suas casas e deixar João Monlevade (Região Central do Estado), onde fica a principal usina da empresa.

Empresas são alvo de investigação

Em 2020, a Volkswagen assinou um termo de ajuste de conduta com o compromisso de destinar recursos para a realização de pesquisas sobre a colaboração de grandes empresas com o aparato de repressão da ditadura militar.

Desde julho de 2022, o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Unifesp conduz o trabalho de pesquisa sobre a responsabilidade das empresas na violação de direitos trabalhistas de seus funcionários.

A pesquisa sobre a Fiat já foi concluída, enquanto as investigações sobre a Mannesmann e a Belgo-Mineira ainda estão em andamento. Os pesquisadores trabalham com documentos em acervos diversos, processos judiciais, bibliografia e entrevistas com sindicalistas. Uma importante fonte de informação é o relatório da Comissão da Verdade de Minas Gerais concluído em 2017, que apontou a cumplicidade das empresas com o regime militar.

Com base nos resultados desse trabalho, os Ministérios Públicos Federal e do Trabalho abriram inquéritos civis para investigar as denúncias de violações dos direitos humanos por essas empresas. Também são alvo das apurações Folha de S. Paulo, Paranapanema, Docas, Embraer, Josapar, Petrobras, Aracruz, CSN e Itaipu.

Segundo o procurador da República Ângelo Giargini de Oliveira, os procedimentos que investigam a atuação de Fiat, Mannesmann e Belgo-Mineira contam com a expertise das pesquisas conduzidas pelas universidades. 

A investigação sobre a Fiat está em fase mais adiantada, de acordo com o procurador. Ele informou que o relatório final será complementado para verificar se os fatos estão suficientemente provados. Depois disso, será iniciado um processo de negociação com a empresa.

Para deputados, história da ditadura não pode se repetir

O deputado Betão (PT), que solicitou a realização da audiência pública, considera de extrema importância a investigação sobre a colaboração das grandes empresas com a ditadura militar. 

“Trabalhadores foram perseguidos nas fábricas e demitidos, quando não torturados nos pátios, com a conivência e o apoio das empresas. Lutamos pela responsabilização de todos os atores públicos e privados, bem como pela devida indenização pelos danos causados. Nosso empenho é para que essa história não se repita.”, Dep. Betão.

O deputado Ricardo Campos (PT) defendeu que é preciso preservar a memória da ditadura. “As gerações vindouras têm que sentir o calor que viveram as pessoas que lutaram em defesa da democracia”, afirmou.

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