Debate cobra mapeamento de comunidades de matriz africana

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Evento realizado pela Comissão de Direitos Humanos celebrou resistência do povo negro

Debate envolveu principais demandas das comunidades de matriz africana – Foto: Clarissa Barçante

O debate público “Povos e comunidades tradicionais de matriz africana: desafios, direitos e garantias” foi aberto na manhã desta sexta-feira (26/11/21), na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com um alerta: políticas públicas sustentáveis para esses povos dependem de um mapeamento das comunidades existentes e de seus espaços, além de mudanças na legislação.

No mês em que é celebrado o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, instituído pela Lei 12.519, de 2011, o evento exaltou a resistência, cantada pelo bloco afro Magia Negra em versos como “nós nunca aceitaremos toda essa mazela que deixaram pra gente, nem a demonização de tudo que é afro”.

A autora do requerimento que deu origem ao debate e presidenta da Comissão de Direitos Humanos, deputada Andréia de Jeus (Psol), abriu o evento louvando a Oxalá e Alembá e denunciando o racismo estrutural presente na sociedade e nas instituições.

Andréia de Jesus disse que, desde a colonização, os povos de matrizes africanas vêm sendo os principais alvos de violações a direitos sociais, econômicos, políticos e culturais. Ela ainda considerou que o racismo é o motivador maior da discriminação, alcançando vários aspectos da vida desses povos, dos quais o racismo religioso seria um dos mais evidentes.

“Para começar, é necessário mapear os territórios, atuar na questão fundiária e cultural. Não basta preservar, é preciso difundir a nossa cultura”, defendeu. A deputada reforçou que faltam dados consistentes sobre as comunidades tradicionais e avaliou que as políticas existentes não dialogam entre si. “Há também subnotificação dos casos de violações de direitos e garantias”, ressaltou.

Invisibilidade

Já a historiadora Desirée Tozi falou de sucessivas tentativas de apagamento da história dos povos e comunidades de matriz africana ao longo dos tempos. Pesquisadora do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ela disse que já se deparou em vários momentos com documentos importantes que estariam prestes a ser destruídos.

Entre eles, citou uma carta de 1902, escrita a pedido de Manuel Luis Maria. Negro, ele fazia parte de uma família que herdara terras no então Curral del Rei, e quis relatar à polícia agressões sofridas na época.

Intolerância religiosa é destacada

Participantes do evento realizaram cerimônia religiosa em frente ao prédio da ALMG

Norma Lúcia Francisca Dias, Mametu de Inkifi Ominlegi de Dakifi Unkambo Ameã, exaltou que está na luta pelo reconhecimento do valor dos povos tradicionais há 46 anos. Segundo a convidada, as pessoas de fora das comunidades tradicionais até hoje desconheceriam sua cultura, não sabendo por exemplo que macumba é um instrumento musical, daí surgindo os chamados macumbeiros.

Alexandre Magno Abreu de Souza, sacerdote do camdomblé e umbanda e presidente da Associação de Resistência Afro-Brasileira Nzo Kiambeta Njimbo, também abordou a intolerância religiosa. Segundo ele, há terreiros que sofrem apedrejamentos e vizinhos que acionam a polícia para silenciar os atabaques. Ele relatou ainda que a distribuição de cestas básicas, durante a pandemia, teria preterido terreiros, embora esses espaços, segundo ele, também atuem na assistência e no acolhimento.

Souza registrou uma série de reivindicações: reconhecimento dos terreiros como ponto tradicional e de cultura, e como de utilidade pública; instituição da carteira de sacerdócio com valor legal; mais apoio na segurança dos terreiros; isenção em cartórios para registros necessários e capacitação para maior acesso a editais.

Belo Horizonte tem quatro quilombos reconhecidos

Makota Kizandembu, diretora de Políticas de Reparação e Promoção de Igualdade Racial (DPIR) da Prefeitura de Belo Horizonte e presidenta do Conselho Municipal de Promoção de Igualdade Racial (Compir), concordou que um dos problemas de invisibilidade é a falta de mapeamento que mostre quem são esses povos e comunidades.

Ela destacou que sua diretoria atua desde 2017 na capacitação de servidores municipais e registrou que há em Belo Horizonte quatro quilombos e mais um em processo de reconhecimento. Makota Kizandembu avaliou que há avanços registrados em ações no município, ainda que sejam poucos diante da demanda, como garantia de acesso a parques e cemitérios  “Entrar nesses espaços para cultos e rituais é direito nosso”, frisou.

Quanto à isenção do IPTU para as unidades territoriais tradicionais, outra demanda colocada, a representante da PBH disse que a concessão esbarra no fato de muitas dessas unidades estarem em nome do proprietário, e não identificadas como espaço tradicional.

Legislação registra avanços e necessidade de aperfeiçoamento

Valorização cultural ainda enfrenta obstáculos – Foto: Clarissa Barçante

Os avanços do ponto de vista das leis de garantia de direitos aos povos tradicionais de matriz africana em Minas Gerais bem como os obstáculos para a implementação dessas leis foram outro ponto de atenção no evento.

A professora e ativista do Movimento Social Negro Silvany Euclênio contou o amplo diálogo que culminou, em 2007, com o Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana. “Embora modesto, o documento é o primeiro nesse sentido no Brasil e, por isso, é um marco importante”, avaliou a convidada.

Segundo ela, uma das dificuldades é que as estruturas sociais e políticas fizeram, ao longo de décadas, com que muitos dos membros e líderes de comunidades de matrizes africanas, fora dos quilombos, se identificassem apenas como grupos religiosos.

Ela ressaltou que os terreiros não se limitam a atividades religiosas. A partir desse reconhecimento, o Plano Nacional determinou três eixos de atuação: garantia de direitos, inclusão social e desenvolvimento sustentável e regularização territorial.

A partir daí, a legislação mineira também avançou, como foi explicitado pelo coordenador estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), Clever Machado. Um dos marcos mais importantes, de acordo com o convidado, foi a Lei 21.147, de 2014, que instituiu a Política Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais. As instâncias de participação social criadas a partir da legislação estadual foram apontadas pelo representante da Sedese como um dos avanços. 

Clever Machado citou, ainda, o Decreto 47.289, de 2017, que trata do reconhecimento formal das comunidades tradicionais a partir da autoidentificação dos povos. Segundo ele, apenas uma comunidade de terreiro foi reconhecida até hoje em razão do que ele considerou a baixa procura. Assim, ele colocou os servidores da Sedese à disposição para orientar outras comunidades que tenham interesse no reconhecimento.

Maíra Santana Vida, presidenta da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB na Bahia, elogiou alguns avanços já garantidos em Minas Gerais e não em seu estado, como a construção de uma Delegacia Especializada em Repressão aos Crimes de Racismo, Xenofobia, LGBTfobia e Intolerâncias Correlatas (Decrin), mas ressalvou que ainda há muitas falhas em políticas públicas.

O zelador da Associação da Resistência Cultural Afro-Brasileira Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, Ricardo de Moura, falou sobre a necessidade de se construir políticas que permitam que os jovens permaneçam nos territórios e nas comunidades. 

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