Com a redução de repasses do governo federal, políticas públicas da área teriam ficado prejudicadas
De acordo com o superintendente de Integração e Segurança Alimentar e Nutricional da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, Henrique Oliveira Carvalho, o governo federal é o principal responsável pelo enfraquecimento do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) em Minas Gerais. Segundo ele, o valor repassado pelo governo federal ao Estado foi reduzido e, apesar de requerimento solicitando que o orçamento fosse revisto, nada aconteceu.
Ele participou, nesta quinta-feira (14/10/21), de audiência pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para debater a Política Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável, prevista na Lei 22.806, de 2017, e as violações do direito à alimentação adequada durante a pandemia de Covid-19.
O superintendente foi enfático em dizer que a redução de recursos por parte do governo federal prejudicou bastante as políticas estaduais de combate à fome. Quanto à atuação do Estado, ele mencionou o programa Raízes de Minas, que entrega kits com a intenção de auxiliar o agricultor familiar. “São kits de irrigação e produção, com sementes, para que iniciem uma produção própria e garantam sua segurança alimentar”, afirmou.
O deputado André Quintão (PT), um dos parlamentares que solicitou o debate, lamentou a pouca mobilização do governo atual e o quanto o Estado retrocedeu em políticas públicas para a segurança alimentar.
“Minas Gerais já foi exemplo internacional. Tivemos experiências locais importantes. Nos anos 2000, o País saiu do Mapa da Fome. E hoje temos um governador que acha que os mineiros vão gastar o dinheiro do auxílio emergencial todo no bar. Ele está precisando ler as pesquisas do Bolsa Família, os relatórios produzidos pela equipe dele. O Estado tem um Fundo de Erradicação da Miséria, usado mais para pagamento de pessoal do que para suas atividades finalísticas. É uma tragédia”, afirmou.
“Quem tem fome tem pressa”
A presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Minas Gerais (Consea-MG), Renata Martins, lembrou a frase “Quem tem fome tem pressa”, do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, para abordar a gravidade de se ter hoje 20 milhões de brasileiros passando fome.
“Minas foi o primeiro estado a criar uma política de segurança alimentar, em 2006. Temos o compromisso de fortalecer, com políticas públicas adequadas, e garantir o funcionamento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Precisamos também de ações mais imediatas, para colocar comida no prato da população. Temos condições de produzir e alimentar todos os brasileiros. Em vez disso, esse governo prioriza o fortalecimento do agronegócio”, ressaltou.
Renata Martins lembrou que uma das primeiras ações da atual gestão no governo federal foi a extinção do Consea nacional. “As entidades regionais estabeleceram resistência. Fizemos notas de repúdio e ofícios ao governador, enviaremos uma carta política sobre a desmobilização dos recursos. Restaurar uma política pública séria contra a fome também a nível nacional é fundamental”, disse.
43 milhões de brasileiros não têm alimentos em quantidade suficiente
Membro da coordenação executiva da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), Renato Nascimento apresentou o inquérito sobre segurança alimentar no contexto da pandemia de Covid-19 no Brasil, elaborado em dezembro do ano passado pela entidade.
A pesquisa foi feita com a população das cinco grandes regiões do Brasil, com pessoas com ao menos 18 anos, em 2.180 domicílios, mantendo os mesmos critérios das pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
“A grande catástrofe é que, do total de 211 milhões de brasileiros, metade está convivendo com algum grau de insegurança alimentar. Destes, 43 milhões não contam com alimentos em quantidade para atender suas necessidades e quase 20 milhões estão enfrentando insegurança alimentar grave, a fome”, explicou.
Outra pesquisa, a Food for Justice, feita por pesquisadores brasileiros na Universidade de Berlim, chegou a resultados semelhantes. “Constataram que 59,4% dos domicílios entrevistados estavam em situação de insegurança alimentar, são seis em cada dez domicílios, ou 125 milhões de brasileiros. Além disso, houve uma redução de 85% do consumo de alimentos saudáveis nos domicílios em situação de insegurança alimentar, sobretudo de carnes (44%), frutas (40,8%), hortaliças e legumes (36,8%) e ovos (17,8%)”, relatou Renato Nascimento.
Assessor de assuntos estratégicos da União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes – MG), Marcos Vinícius Gomes pediu a valorização do PAA e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
“Estes programas são fundamentais para organizar a cadeia produtiva e manter a juventude rural no campo, algo que é essencial para garantir a segurança alimentar tanto no interior do Estado quanto na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Precisamos também de uma política forte de acesso ao crédito para o pequeno agricultor”, salientou.
Críticas
Os deputados federais Patrus Ananias e Padre João (ambos do PT-MG) ressaltaram que as comunidades tradicionais têm sofrido bastante com a fome. “O estado se omite. O agronegócio envenena as pessoas, as terras, para quê? Para produzir commodities. Não é nem pra produzir comida para as pessoas. Esse governo é cruel, insensível à dor das pessoas. E não conseguimos reagir contra os seus ataquese. Às vésperas do Dia Mundial da Alimentação, é triste e trágico discutir isso”, afirmou Padre João.
Coautora do requerimento para a realização da reunião, a deputada Leninha (PT) convidou os presentes a pensarem na última refeição que haviam feito até aquele momento, ao lembrar que, muitos brasileiros, já não comiam há mais de 24 horas. Ela criticou também a Medida Provisória 1.061/21, que cria os programas Auxílio Brasil e Alimenta Brasil, em substituição, respectivamente, ao Bolsa Família e ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“O governador chegou a dizer que pessoas vão para bares gastar na sua totalidade o auxílio emergencial que com tanto sacrifício aprovamos aqui nesta Casa. O governador que dizia ser um administrador eficiente, mas vai deixar um rombo de R$ 11,7 bilhões, mesmo com o acordo feito com a Vale e a venda do nióbio mineiro. Nem o governo estadual nem o federal priorizam o combate à fome”, ressaltou.