Se Num país como a Inglaterra a maioria das mulheres de todas as classes (exceto uma minoria de milionárias) ainda caleja as mãos fazendo o grosso do trabalho doméstico, há os que apelam para a ajuda estrangeira: pelo chamado sistema au pair, moças de outros países (às vezes até do Brasil) que vêm estudar inglês fazem trabalho doméstico informal- principalmente cuidando de crianças pequenas, em troca de casa e comida e um ordenado razoável. Em teoria, elas devem ser tratadas em perfeito pé de igualdade (daí o nome au pair), como parte da família, mas não raros os casos em que seu trabalho é explorado impiedosamente, e são reduzidas ao nível das criadas. Na Inglaterra, tem havido casos escandalosos de famílias ricas de países árabes que praticamente escravizam mulheres colombianas ou filipinas, às vezes até espancando-as.
No Brasil, embora a situação da doméstica tenha melhorado em certos pontos e em geral seja protegida por legislação, ninguém vai pretender que tenham desaparecido os abusos ou exploração, quase inevitáveis numa situação desta ordem de alta dependência. Por exemplo, num inquérito feito em 1982 em Recife, por Clóvis Cavalcanti registrou a falta frequente de dias de folga no emprego de cozinheiras, arrumadeiras, etc.
É claro que uma melhora da extrema desigualdade de renda nas classes da sociedade brasileira- que segundo estudo recente só é menor do que a de Honduras e de Serra Leoa- terá de trazer, eventualmente, extinção da doméstica como classe. (seria necessário, é claro, como em certos países dar assistência doméstica a pessoas idosas ou incapacitadas.) Por mais que isto seja considerado um prejuízo para o comodismo e “mordomias” dos mais favorecidos, tudo indica que uma transformação social desta ordem virá trazer, como em outros países, grandes benefícios de ordem física e moral, simplificando a vida e eliminando luxos e exigências supérfluas.
Já se sabe desde a Antiguidade- quando a escravidão era olhada como “natural e inevitável”- que o hábito de ser servido estimula a indolência e o declínio de capacidades físicas e mentais. Uma das histórias que se contam do famoso filósofo Diógenes é que viu certa vez um escravo ajudando seu senhor a calçar as sandálias. E comentou, sarcástico: “Você ainda não alcançou completa bem-aventurança, meu amigo- um dia vai perder o uso das mãos e o escravo terá de assuar seu nariz”.
Num plano mais largo, quem é o defensor do meio ambiente e da natureza se não “uma boa dona-de-casa, que quer limpá-lo das sujeiras e injustiças do mundo- Cristo expulsando os vendilhões do Templo”? Florence Nightingale podia ter gozado a vida cheia de “mordomias” de uma rica família inglesa de seu tempo: mas preferiu ir limpar as sujeiras dos hospitais e da guerra da Crimeia. Não suportava uma vida indolente de parasita. Não será que chegou o momento de criar um novo mundo em que tal estilo de vida ociosa seja ao mesmo tempo indesejável e inconcebível?