Audiência na ALMG reforça mobilização do trabalhador para pôr fim ao ciclo vicioso que começou com reforma trabalhista.
O que já estava ruim, piorou, e o desafio agora, às vésperas de mais um 1º de maio, é dar um basta na perda de renda e de direitos, na precarização do trabalho e a toda uma série de outras ameaças, inclusive à própria sobrevivência do trabalhador, vítima de mais uma epidemia, a de acidentes no ambiente profissional.
Esse cenário desolador foi debatido nesta quinta-feira (28/4/22), em audiência pública realizada pela Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), atendendo a requerimento da deputada Beatriz Cerqueira (PT).
A parlamentar destacou que nunca foi tão importante neste Dia Internacional do Trabalhador refletir sobre os ataques desferidos a direitos históricos, tanto no âmbito federal quanto estadual, sobre o pretexto de reformas. As principais foram a trabalhista (2017) e da Previdência (2019).
“O que tudo o que foi feito nos últimos anos melhorou na vida da classe trabalhadora? Não melhorou nada e hoje, mais do que nunca, o trabalhador precisa de proteção, pois passa por um de seus piores momentos, a começar da falsa lógica de que o negociado prevalece sobre o legislado. Ele sozinho não consegue se resolver com o patrão, é uma relação muito injusta”, analisa Beatriz Cerqueira.
Convocação para ato de protesto
Ao final da reunião, a parlamentar ainda fez uma convocação geral pela mobilização dos trabalhadores em ato de protesto programado para acontecer neste 1º de maio, a partir das 9 horas, na Praça Afonso Arinos, Centro de Belo Horizonte, articulado pelas centrais sindicais.
Segundo ela, outras manifestações estão programadas em cidades por todo o interior do Estado e o momento é estratégico para que trabalhadores e trabalhadoras mostrem a sua insatisfação com o momento atual. “A gente muda a vida é pela organização coletiva”, ponderou.
Retrocesso que começou em 2016 se agravou com pandemia
Entre os convidados da audiência, especialistas fizeram em suas apresentações o diagnóstico do retrocesso na vida do trabalhador registrado desde 2016, em contraponto com o ciclo anterior, de conquistas, que teria ido até 2014.
O doutor em Economia Valter Palmieri Júnior aponta que os números corroboram esse dois momentos nos quatro pilares que mais impactam a vida do trabalhador: taxa de desemprego, salário médio, formalização e desigualidade da renda do trabalho.
“Veio uma crise de cunho liberal que tentaram resolver com políticas liberais e que levaram à desestruturação do mercado de trabalho que vem se acumulando até hoje”, aponta.
Consumo como indutor
Segundo ele, o mercado de trabalho se estrutura pelo crescimento do PIB e com mais pessoas consumindo, cresce também a oferta e a qualidade do emprego. Com a reforma trabalhista e depois a pandemia de coronavírus, a situação se agravou.
“Salário para o empresário é custo, mas para o País é demanda. Perdemos esse debate, mas os dados estão aí e o que aconteceu depois não foi o que foi prometido. Precisamos fechar esse ciclo e começar outro o quanto antes”, destacou o economista.
O técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Diego Severino Rossi de Oliveira, defendeu posição semelhante, reforçando que cabe ao trabalhador, por meio do setor de serviços, a posição principal na composição PIB na economia mineira.
“A empresa muitas vezes garante sua rentabilidade por meio do mercado financeiro independentemente de criar emprego. Aí qual o incentivo para contratar mais mão de obra?”, apontou. Ainda segundo ele, o rendimento real médio da população ocupada mineira já caiu a níveis de 2012.
Justiça do Trabalho
Até para quem tem emprego e renda, mas vê seus direitos ameaçados, a situação é preocupante, consequência do desmonte da legislação e da própria Justiça do Trabalho. Quem ressaltou isso foi o advogado da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT/MG), Luciano Ricardo de Magalhães Pereira.
Segundo ele, os reflexos da reforma trabalhista foram a queda no número de novos casos impetrados e, consequentemente, de julgamentos. Em 2016 foram 1.824 novos casos por 100 mil habitantes contra 1.314 no ano passado. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), foram aproximadamente 1.600 julgamentos por magistrado, contra 900 em 2000.
“A meta é restringir o acesso do trabalhador à Justica do Trabalho, que ele procura para reclamar direitos básicos que não deveriam sequer merecer um debate jurídico maior. A reforma alterou mais 100 itens da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tudo para reduzir custos do capital com o trabalho. Mas a relação é desigual e por isso a legislação precisa proteger a parte mais fraca”, aponta.
Trabalhador invisível e descartável em dia mundial em memória às vítimas
Os acidentes e doenças do trabalho foram outro tema lembrado na audiência. Entre os participantes a abordar o assunto, a coordenadora do Fórum Sindical e Popular de Saúde e Segurança do Trabalhador, Marta de Freitas, lembrou que esta data da audiência pública (28/4) é o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidente de Trabalho.
Segundo ela, a reforma trabalhista, que ela apelidou “deforma trabalhista”, tem relação direta com a piora das condições de trabalho. “A primeira causa do acidente é o aumento da carga de trabalho e isso piorou ainda mais na pandemia de coronavírus. O trabalhador se sujeita a tudo por medo de perder o emprego, mas ele é invisível e descartável”, lamentou.
Organização Internacional do Trabalho
O diretor da Central Sindical e Popular Conlutas (CSP-Conlutas), Roberto Wagner Carvalho, lembrou que, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cada 15 segundos morre um trabalhador no planeta, o que resulta em 2,3 milhões de mortes por ano.
No Brasil, segundo o sindicalista, foram registrados, em 2021, cerca de 1,5 mil acidentes por dia e 2.487 mortes de trabalhadores no ano. Entre 2012 e 2020, foram registrados 5,6 milhões de acidentes no planeta, que resultaram em 20,4 mil mortes. “Isso é um massacre”, revoltou-se, ao comparar o problema a outra pandemia que atinge todo o mundo.