Autoridades e especialistas defendem inserção de adolescentes no mercado de trabalho com proteção e qualificação.
A aprendizagem profissionalizante é um instrumento eficiente para combater o trabalho infantil e a exploração da mão de obra de adolescentes. A avaliação foi feita pelos participantes de audiência pública realizada nesta quinta-feira (9/6/22) pela Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
O procurador do Trabalho Wagner Gomes do Amaral defendeu que existe uma relação direta entre trabalho infantil e políticas públicas de inclusão social. “A aprendizagem alia educação, geração de renda e inclusão no mercado de trabalho de maneira adequada e protegida”, afirmou.
A auditora fiscal do Trabalho Christiane Azevedo Barros também defendeu a aprendizagem como alternativa para facilitar a inserção dos jovens no mundo do trabalho. “A aprendizagem, atrelada à formação profissional, é uma alternativa ao trabalho informal. O aprendiz se submete à qualificação que o prepara para o mercado de trabalho”, disse.
Segundo a auditora, a crise econômica e a fome, agravadas pela pandemia de Covid-19, levaram ao aumento do trabalho infantil, ainda não quantificado pelas estatísticas oficiais. Entre janeiro e maio de 2022, a Superintendência Regional do Trabalho realizou 140 ações de fiscalização presenciais, que flagraram 188 crianças e adolescentes em situação de trabalho irregular.
A coordenadora do Fórum de Erradicação e Combate ao Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente, Elvira de Mello Cosendey, reforçou que o trabalho infantil foi reduzido significativamente entre 1992 e 2019, mas a mendicância e a venda ambulante por crianças nas ruas aumentou a olhos vistos devido à pandemia.
A solução para esse problema, na sua avaliação, depende do combate à evasão escolar. “Muitas crianças e adolescentes perderam o caminho da escola. Qual busca ativa os municípios vão se comprometer a fazer para trazê-los de volta?”, provocou. Para aumentar a proteção de crianças e adolescentes expostos à exploração pelo trabalho, ela também defendeu a escola em tempo integral.
Mudanças federais são consideradas ameaças
A Medida Provisória 1.116, que institui o programa Emprega + Mulheres e Jovens, e o Decreto Federal 11.061, que alterou as regras dos programas de aprendizagem profissional, foram duramente criticadas pelos participantes da audiência pública. As duas normas foram publicadas pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 4 de maio.
Para o promotor Márcio Rogério de Oliveira, as novas regras vão reduzir pela metade as 482 mil vagas de aprendizagem atualmente disponíveis em todo o País. “É um retrocesso sem tamanho”, afirmou.
Segundo o procurador do Trabalho Wagner Gomes do Amaral, com a nova regulamentação, as empresas poderão contratar os aprendizes com base na escolaridade, o que pode levar à exclusão dos adolescentes mais vulneráveis. Além disso, de acordo com ele, quem eventualmente for contratado continuará ocupando a vaga de aprendiz por mais um ano, o que vai dificultar o acesso à aprendizagem.
A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que solicitou a realização do debate, acrescentou que a as novas regras vão liberar do pagamento de multa as empresas que não cumprirem a cota mínima de vagas de aprendizagem, além de ampliar para 29 anos o limite de idade dos aprendizes, que era de 21 anos. “Isso é um retrocesso para o Brasil”, afirmou.
O direito de sonhar com um futuro melhor
Dizendo-se vítima da exploração do trabalho infantil, Luiz Henrique Soares Silva deu seu testemunho da transformação que a aprendizagem pode promover na vida das pessoas. Ele contou que começou a trabalhar aos nove anos de idade, vendendo salgados na favela e depois carregando entulho de construção, para ajudar a mãe a criar oito filhos.
“Na escola, eu sofria bullying: era o menino do carrinho de mão. Eu não sei o que passava pela cabeça dos meus colegas, mas sei o que passava pela minha cabeça: hoje a gente vai poder comer arroz e feijão”, afirmou.
A vida de Luiz Henrique mudou para sempre aos 15 anos, quando ele se tornou aprendiz. “Vi o quanto sofri e o quanto preciso lutar”, contou. Atualmente estudante de Direito na PUC Minas, ele defendeu que todas as crianças e adolescentes tenham o direito de sonhar com um futuro melhor e mandou um recado para o auditório lotado de jovens como ele. “Sonhem; corram atrás; aproveitem o processo de aprendizagem porque isso é uma porta para o futuro”, concluiu.
A história de Luiz Henrique não foi a única contada na audiência pública. O educador Cristiano Paulo dos Santos também se disse vítima do trabalho infantil. “Eu fui transformado pela educação, e poderia ser muito melhor do que sou hoje, se não tivesse passado pelo trabalho infantil”, afirmou.
O deputado Doutor Jean Freire (PT), que começou a trabalhar aos 12 anos de idade, defendeu que todas as crianças e adolescentes tenham o direito de sonhar com um futuro melhor. “Devemos oferecer aos jovens a oportunidade de ser o que cada um quiser ser”, disse.
Estado articula garantia de direitos
O Governo do Estado trabalha para articular os diversos atores do Sistema de Garantia de Direitos, segundo a coordenadora dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), Eliane Quaresma Caldeira de Araújo.
De acordo com ela, um projeto de capacitação vai oferecer orientação para conselheiros tutelares de todo o Estado. As aulas a distância devem começar em novembro. Além disso, a plataforma do Sistema Estadual de Redes em Direitos Humanos oferece textos, cartilhas e webinários para orientar agentes públicos e profissionais que atuam na defesa dos direitos das crianças e adolescentes.
A deputada Ana Paula Siqueira criticou a ausência de representantes da Secretaria de Estado de Educação na audiência e disse que vai cobrar esclarecimentos sobre as políticas públicas que precisam ser adotadas no pós-pandemia de Covid-19.