Defensores de monumentos naturais ameaçados pela mineração buscam apoio do Legislativo para preservar modos de vida, cultura e outros atrativos
“Um histórico de muitas derrotas e pequenos avanços”. A síntese da luta ambiental em Igarapé (Região Metropolitana de Belo Horizonte), em favor da Pedra Grande, feita pelo professor Tiago Henrique Fonseca, é a mesma para vários outros monumentos naturais do Estado. Comunidades vizinhas a esses bens, em geral ameaçados pela mineração, pedem sua proteção oficial como forma de manter modos de vida, cultura, turismo e água limpa.
Vários desses ambientalistas estiveram na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (17/4/24), em audiência da Comissão de Cultura. Eles debateram com o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) os casos da Pedra Grande, entre Itatiaiuçu, Igarapé e Mateus Leme (RMBH); da Serra dos Pires, em Congonhas (Central), da Serra de São José, em Tiradentes (Central) e das serras de Piumhi (Centro-Oeste).
Tiago Fonseca conta que viu o poder econômico das mineradoras suplantar a luta pela proteção da Pedra Grande. Ele alertou também que o estudo do empreendimento da Usiminas, embora mencione impacto permanente e em escala significativa, além de potencial danoso para a visitação do monumento, traz como alternativa minerar ao redor e preservar apenas a Pedra Grande, destruindo seu valor ambiental.
A arqueóloga e historiadora Alenice Motta Baeta visitou no local a comunidade de Vieira, já atingida pela ArcelorMittal e agora em luta contra a Usiminas. Ela destacou, entre outros bens do local, regos d’água que são manejados há gerações, além de sítio arqueológico onde está previsto o descarte de pilhas de rejeitos. “Nossa comunidade tem muito mais valor cultural e tradições do que a mineração”, reforçou José Roberto Cândido, da comissão dos atingidos de Itatiaiuçu.
Já a presidente do Conselho de Cultura de Igarapé, Sandra Nunes Braga, salientou que Igarapé fornece água para a RMBH, tanto no Sistema Serra Azul como no Rio Manso.
Ainda no início da audiência, a deputada Beatriz Cerqueira (PT), autora do requerimento o debate, fez um relato das ações já propostas com vistas à proteção desses patrimônios. Ela listou audiências, visitas e também projetos de lei em tramitação na ALMG. “Nós nos somamos às lutas em cada território e também trazemos essa luta para o Legislativo”, pontuou.
Tiradentes sofre também com especulação imobiliária
Em relação à Serra de São José, o arquiteto Luiz Antônio da Cruz salientou que seus amigos de luta já morreram à espera pelo tombamento. Segundo ele, o monumento tem ocorrências de Mata Atlântica e de Cerrado, com enorme riqueza de plantas medicinais e até mesmo uma libélula endêmica. Ele defendeu a educação ambiental e sobre o patrimônio como forma de atrair os jovens para essa luta.
Sérvulo Matias, secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer de Tiradentes, acrescentou que a especulação imobiliária também é ameaça na Serra de São José. A cidade, segundo ele, tem quase 7.500 habitantes e 5 mil lotes à venda. O tombamento municipal ocorreu há dois anos e os defensores da serra pedem a mesma proteção em níveis estadual e federal.
Sobre o conjunto de serras de Piumhi, Igor Messias da Silva, coordenador técnico do Movimento Amigos do Araras e Belinha, destacou a estreita relação de meio ambiente, cultura, religiosidade e gastronomia. Filho de produtor de queijo Canastra, ele alertou que a indicação geográfica do produto – e também do café – depende das condições ambientais propiciadas pelas serras, entre as quais a água de qualidade.
O turismo, segundo Igor Silva, é uma realidade na região, que fica entre a Serra da Canastra e o Lago de Furnas. Ele também destacou riquezas do conjunto de serras, como cavernas ainda inexploradas e cachoeiras. “Acabamos de reencontrar uma espécie que não era vista há 205 anos. Um exemplar foi coletado por Saint-Hilaire (botânico francês) em 1819 e está em Paris”, contou.
Serra dos Pires
Alenice Motta Baeta também abordou a situação da Serra dos Pires, segundo ela, um divisor de poluição. “Do outro lado da serra, em Ouro Preto, já temos nuvens de poeira tóxica”, alertou. Diretores do Instituto Histórico e Geográfico de Congonhas alertaram para o avanço preocupante da mineração no município e destacaram que a atividade prejudica todo o patrimônio da cidade, especialmente o mais conhecido, o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, onde ficam os 12 Profetas esculpidos por Aleijadinho.
“As serras do entorno de Congonhas emolduram esse patrimônio cultural e artístico; e a exploração minerária, além de prejudicá-lo, compromete os recursos hídricos, a fauna e a flora locais”, denunciou André Candreva. Já Hugo Castelani apresentou várias fotos nas quais detalhou os impactos negativos das atividades minerárias na paisagem de Congonhas.
O deputado Professor Cleiton (PV), presidente da comissão, destacou que moradores de Luislândia (Norte) pediram para participar da audiência em busca de proteção para as cavernas da cidade. Ele fez uma provocação aos presentes sobre a herança que os mineiros deixarão para as futuras gerações, sobretudo diante da “subserviência” do atual governo às mineradoras.
Iepha
Helena Alves, da Gerência de Projetos e Obras do Iepha, repassou as informações sobre os patrimônios paisagísticos objeto da audiência. Pedra Grande e Serra de Piumhi já possuem tombamentos municipais. Já a Serras dos Pires e a de São José, ainda não, embora essa última tenha estudos para tombamento iniciados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Ela ainda citou portaria do Iepha que traz o rito básico para efetivação das proteções, como a formalização do pedido de proteção e a documentação necessária.
Ao final da reunião, a deputada Beatriz Cerqueira propôs dois encaminhamentos principais como desdobramentos das informações do Iepha. Ela disse que enviará as solicitações de tombamentos ao órgão e também aos municípios impactados. Além disso, divulgou que marcará visita técnica ao instituto para entregar oficialmente a documentação.