O uso da tecnologia para planejar a produção agrícola, reduzir custos, aumentar a produtividade e diminuir os impactos ambientais é destacado por especialistas como um dos pilares da agropecuária do futuro. Os pesquisadores alertam que a chamada agricultura de precisão é um caminho sem volta para os proprietários rurais.
Encontrar os pontos mais produtivos do solo, identificar os locais da lavoura onde incidem pragas e doenças, além de aumentar a capacidade de prever questões climáticas são alguns dos benefícios apontados com o uso de tecnologias da chamada agricultura de precisão.
“A agricultura de precisão é a base, o alicerce fundamental para a próxima agricultura, chamada de agricultura digital ou agricultura inteligente. Não se faz agricultura digital ou inteligente sem dados, sem informação. Se o agricultor não adotar a agricultura de precisão, dificilmente haverá avanço na agricultura de uma forma geral”, declara Ricardo Inamasu, pesquisador da Embrapa Instrumentação.
A eficiência da gestão da propriedade agrícola depende de informações e da precisão do mapeamento do solo e da lavoura. Quanto mais dados, melhor será o diagnóstico sobre a variabilidade do solo ou de outros aspectos relacionadas à produção. “Encontrar a aptidão do solo e potencializar da melhor forma a lavoura é o elemento fundamental que faz com que a agricultura de precisão dê retorno econômico”, enfatiza Inamasu.
Para encontrar essa aptidão, o engenheiro mecânico ressalta que o agricultor precisa de um sistema avançado de gestão da lavoura que considera a variabilidade espacial, as diferenças de característica e, consequentemente, de produtividade.
“ O campo tem diferenças, alguns chamam essas diferenças de manchas. Então, tratar essa diferença é a parte fundamental. Daí o GPS, as máquinas, os sensores entram em jogo”, completa.
O engenheiro agrônomo Fábio Juntolli, que coordena a Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão do Ministério da Agricultura (Mapa), destaca que o objetivo do uso dessa tecnologia é acompanhar em tempo real o momento de semeadura, da adubação, produzir dados sobre previsão do tempo, volume de chuvas, aplicação de insumos, fertilizantes e defensivos agrícolas na quantidade, hora e local certos.
O especialista enfatiza que isso permite ao produtor melhor gerenciamento da propriedade agrícola, planejamento da produção, tomada correta de decisões em campo, além de evitar perdas. “No final das contas, um pouquinho de economia vai fazer diferença. E, principalmente, será mais sustentável, porque não estará usando mais insumos nem haverá superdosagem de defensivos”, explica.
Com o auxílio dos dados coletados pelas novas tecnologias, o produtor não precisa plantar a mesma quantidade de sementes ou aplicar defensivos na área total da propriedade, apenas no local de incidência de doença ou praga, por exemplo.
“Temos estudos que mostram que quando há ataque de pragas, elas não atacam a lavoura toda, mas, geralmente, pelas beiradas, ou, dependendo da praga, de dentro para fora da lavoura. Então, quanto mais a gente identificar a presença, menos defensivo se utiliza sem causar dano econômico na lavoura”, acrescenta.
Do laboratório ao campo
Há aproximadamente 15 anos, o Grupo SLC Agrícola, um dos maiores produtores de algodão, soja e milho do país e do mercado internacional, passou a adotar a agricultura de precisão em suas propriedades. Inicialmente, desenvolveu nas fazendas o uso de tecnologias para mapear a variabilidade do solo e fazer aplicação variável de fertilizantes, como calcário, adubos fosfatados e cloreto de potássio.
Na segunda etapa, fez mapas de produtividade a partir do uso de fotografias, imagens de satélite e sensores nas máquinas, que registram os dados de produção a cada segundo dentro de um talhão da lavoura.
“Com esses dados associados às coordenadas geográficas, conseguimos ter um mapa da distribuição da produtividade e ver onde estão os principais problemas de variabilidade”, explicou Ronei Sana, coordenador de agricultura digital do grupo.
Um dos projetos desta etapa foi desenvolvido na Fazenda Pamplona, situada no interior de Goiás, sob assistência da Embrapa Instrumentação. Pela parceria, o grupo definiu uma área piloto onde foram introduzidos drones e outras tecnologias que permitiram a elaboração dos mapas de produtividade do plantio de algodão.
“Nós utilizamos fotografias aéreas e imagens de satélite, sensores para medir a condutividade elétrica do solo, a amostragem de solo e de plantas, uma quantidade grande de dados para tentar encontrar as relações que explicassem a variação de produtividade na cultura do algodão”, explicou Sana.
Atualmente, o grupo acrescentou a utilização de novos aplicativos e técnicas que permitem agregar diferentes informações colhidas em campo, como dados sobre clima, pragas, entre outros. Em parceria com startups do agronegócio (agtechs), o grupo testa, por ano, de 20 a 30 novas tecnologias que visam aumentar a eficiência e a produtividade, reduzir o custo e o impacto ambiental.
“Como surge mais uma camada de informação dentro dessa evolução, o que a gente tem feito é trabalhar essas ferramentas relacionadas à big data e inteligência artificial para tratar a quantidade de dados”, disse Ronei.
Menos fertilizante
Os resultados da aplicação da agricultura de precisão nas fazendas do grupo variam de acordo com a tecnologia aplicada. Em algumas situações, por exemplo, foi possível reduzir em torno de 10% o custo dos fertilizantes.
O uso de defensivos químicos também sofreu redução aproximada de 2% a 3%, principalmente a a partir de 2009, quando entraram de forma massiva na agricultura praticada pelo grupo os receptores de sinais de satélites, os chamados sinais diferenciais. A utilização das tecnologias evitou que as máquinas aplicassem produtos duas vezes no mesmo lugar ou em áreas próximas de reservas ambientais.
“Houve economia nestes produtos e, consequentemente, para o meio ambiente, porque você deixa de utilizar recursos, aplicando somente o necessário. É uma aplicação racional, mais precisa, que tende a reduzir o consumo de combustível também”, comenta Sana.
O coordenador ressalta outros benefícios difíceis de mensurar, como a melhoria dos processos, a rastreabilidades das máquinas, a coleta de um grande histórico de dados, entre outras vantagens.
Considerando a extensão territorial em que são aplicadas as novas tecnologias, o resultado também é variável. No caso do mapeamento de fertilidade, o grupo tem amostragem de aproximadamente 40 mil hectares, o que corresponde a mais ou menos 10% da área.
Para os mapas de produtividade, a aplicação já chega a 200 mil hectares, quase metade da área total do grupo. Os mapas de produtividade não alcançam área maior devido à falta de sensores em todas as máquinas. O sensor é muito caro, chegando a custar o valor da máquina.
No caso dos aplicativos de georreferenciamento de pragas, da utilização de imagens de satélites e de softwares de gestão agrícola, o uso acontece na totalidade da área. “A gente colocou uma ferramenta neste ano com o qual nossos técnicos vão a campo, fazem apontamentos georreferenciados e a gente tem esses mapas dos principais problemas que acontecem no campo”, comentou Sana.
Uso em vinícolas
Apesar de a agricultura de precisão ser mais utilizada em grandes áreas onde se planta soja, milho e algodão, o país tem experiências bem-sucedidas de aplicação das tecnologias em pequenas propriedades que não produzem grãos.
Um exemplo é o trabalho desenvolvido em vinícolas do interior do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Em parceria com diferentes unidades da Embrapa, as vinícolas colheram amostras de solo em zonas de manejo e conseguiram detectar diferentes tipos de solo que apresentaram produtividade variada.
Com o diagnóstico, a colheita pode ser feita de acordo com cada talhão, o que resulta no aumento da qualidade do vinho produzido.
“Tem alguns lotes que dão melhor bebida do que outra. Então, a agricultura de precisão leva o produtor a ter maior gestão da lavoura. Naquela área que produz mais, produz um produto de qualidade diferenciada, você não vai misturar com outros produtos, produz em processo separado para agregar valor”, explica Fabrício Juntolli.
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento