Especialistas da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais alertam sobre os principais perigos dentro de casa
Com as férias
escolares e as crianças menores por mais tempo em casa, uma atenção especial é
demandada aos pais, responsáveis e cuidadores, já que acidentes domésticos
podem acontecer em pequenos momentos de distração.
A previsão é de que o verão tenha temperaturas acima da média, como já vem
acontecendo, tornando piscinas e brincadeiras com água ainda mais atrativas, o
que também requer cautela.
De acordo com a gerente médica e cirurgiã geral do Hospital João XXIII da Fundação Hospitalar do Estado de
Minas Gerais (Fhemig), Daniela Fóscolo, o primeiro fator
com o qual se preocupar quando a criança está exposta a um calor intenso é a
hidratação oral.
“Ela precisa tomar bastante líquido, porque uma criança desidratada tem maior
propensão a sofrer acidentes de maneira geral, inclusive afogamentos”, afirma a
profissional.
No ambiente da piscina, além da observação constante dos adultos, os
equipamentos de segurança também têm um papel importante. Segundo Daniela, é
preciso que as boias sejam adequadas para cada idade.
“O ideal é que crianças menores usem o coletinho salva-vidas. Aquelas boias que
ficam só nos braços podem sair quando se pula na piscina, não oferecendo a
segurança necessária”, diz.
É importante destacar que as crianças não se afogam somente com grandes
quantidades de água: um balde com 5 centímetros de água já é o suficiente para
um acidente grave acontecer.
Corpos estranhos
Uma das ocorrências mais frequentes dentro de casa é a que envolve “corpos
estranhos”, que se referem a qualquer objeto ou substância ingeridos ou
colocados pela criança nas narinas ou nos ouvidos.
Moedas, peças menores de brinquedos e tampas de garrafas são alguns exemplos
que costumam levar os pequenos aos serviços de emergência.
No Hospital João XXIII, este tipo de ocorrência foi o terceiro mais frequente
em 2022, ficando atrás apenas das quedas da própria altura e dos acidentes de
trânsito envolvendo motociclistas.
A unidade atendeu 4.315 casos de acidentes com corpos estranhos em 2022 –
somente com crianças de 0 a 5 anos, foram 1.382 pacientes. Em 2023, até 18/12,
já foram 1.347 casos nessa mesma faixa etária.
No Natal, brinquedos infantis que precisam de pilhas e baterias para
funcionarem estão em várias listas de presentes. Porém, esses são objetos
comuns de serem engolidos e, por isso, é preciso muito cuidado.
Segundo o gerente médico da unidade, Rodrigo Muzzi, as baterias, apesar de
normalmente estarem parafusadas e serem mais difíceis de acessar, são
potencialmente perigosas para os pequenos.
“Em contato com o suco gástrico, a bateria gera uma corrente elétrica que pode
causar queimaduras nos órgãos internos”. Apesar de a introdução de objetos no
nariz e ouvidos gerar menores riscos quando ficam alojados nos orifícios, eles
podem ser esquecidos se a criança não avisar aos pais e responsáveis, o que
pode acarretar infecções.
Já os grãos, como castanhas, milho de pipoca, feijão cru e amendoim oferecem um
risco maior se aspirados, ou seja, se entrarem nas vias aéreas. Nas festas de
Natal, são comuns de serem servidos e é preciso cuidado.
Quando ocorre a aspiração, o corpo estranho obstrui a entrada e a saída do ar
causando asfixia. Se ele vai para o pulmão, a gravidade é ainda maior, porque
pode causar inflamações e até pneumonia.
“A imaturidade da criança pode fazê-la se engasgar com mais facilidade e
aumentar o risco da aspiração ao invés da ingestão. As vias aéreas são menores,
isso significa que o corpo estranho tem um impacto maior, com asfixia mais
grave do que crianças maiores”, explica o pediatra do HJXXIII, André Marinho.
“A cozinha é o local mais perigoso da casa. Alimentos devem estar distantes e
em altura segura”, completa. O médico sugere, inclusive, que adultos não
manipulem este tipo de alimento perto de crianças muito pequenas.
Susto em casa
Ana Júlia Dias, de 4 anos, deu um susto na mãe, a auxiliar de cozinha Ana Paula
Dias, de 24 anos. A menina foi transferida de Ouro Preto, cidade onde moram, na
região Central de Minas, para a pediatria do Hospital João XXIII, depois de ser
constatado em uma radiografia que ela havia engolido a bateria de um tablet de
brinquedo.
“Ela contou para a irmã dela que havia feito isso, mas no começo eu não
acreditei. Achei que fosse brincadeira”, revela a mãe.
Na mesma noite em que engoliu a peça, Ana Júlia teve muitos vômitos. No dia
seguinte, ainda em dúvida sobre o que havia acontecido, Ana Paula enviou a
filha para creche, mas à tarde recebeu uma ligação avisando que a criança ainda
passava mal.
“Foi aí que a levei à UPA. No raio-x, a bateria aparecia alojada na altura do
peito. Era do tamanho de uma moeda de 50 centavos”, detalha.
A transferência aconteceu em questão de horas, e a bateria, que já estava se
dissolvendo, foi retirada por meio de endoscopia. “Se não tivessem a tirado a
tempo, poderia ter sido pior. Mesmo tendo sido muito rápido, ficou uma pequena
lesão local”, relata Ana Paula.
Após o enorme susto, a mãe manda um recado para os pais e responsáveis de
crianças pequenas. “Tem que ter atenção com o brinquedo que vai comprar, se é
próprio para a idade do pequeno, se tem peças soltando. É muito perigoso”,
avisa.
Intoxicação
Quando se tem crianças em casa, também é preciso ter cuidados básicos com
produtos químicos. O principal é manter os materiais de limpeza guardados no
alto dos armários e trancados.
“Além disso, esses produtos devem ser mantidos na embalagem original. Não
adianta nada comprar um material que pode ser tóxico e guardar em uma garrafa
de refrigerante. Uma criança pequena não consegue diferenciar os conteúdos pelo
cheiro. E para acontecer uma intoxicação grave, muitas vezes um gole é
suficiente”, avisa Daniela.
Bebidas alcoólicas também não devem ser negligenciadas pelos pais e
responsáveis, principalmente no período de festas.
“Muitas vezes o adulto deixa o copo cheio largado na mesa e a criança bebe
aquele álcool. A exposição da criança a essa substância é muito prejudicial,
então é preciso atenção nesses casos”, aconselha.
Quedas
Durante as férias escolares, a permanência maior das crianças dentro de casa
muitas vezes leva a brincadeiras que acabam mal, como em quedas graves.
“Elas acontecem com frequência nesse período, já que a criança não está na
escola gastando sua energia. Ela está em casa, ativa e demandando atividades”,
ressalta Daniela.
De acordo com a cirurgiã geral, qualquer queda que seja o dobro da altura da
criança já é considerada uma grande altura para os profissionais: escadas e
móveis como cama, sofá e mesa são potenciais para um acidente com os pequenos.
Mas, para a profissional, o maior perigo em casa são as quedas de janelas.
“Não precisa ser uma janela de prédio. Se a criança pula de uma janela, mesmo
sendo uma casa baixa, já há um risco grande de lesões graves. Janelas devem
estar teladas e escadas sempre protegidas”, finaliza.
Queimaduras
A maioria dos acidentes que envolvem queimaduras ocorre em casa e 40% das
vítimas são crianças de até 11 anos.
“A maioria das crianças queimadas têm até 2 anos. Elas são curiosas, não têm
noção do perigo e apresentam baixa estatura, o que contribui para que vejam o
mundo em um plano diferente do adulto. Um cabo de panela voltado para fora do
fogão ou o forno quente, por exemplo, despertam o seu interesse e podem causar
danos que os acompanharão para o resto de suas vidas”, lembra a médica Kelly
Araújo, do Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) do Hospital João XXIII.
Segundo a especialista, é fundamental que os pais ou responsáveis estejam
sempre atentos para evitar acidentes. Se a queimadura é profunda e alcança 10%
do corpo da criança, ela corre sério risco.
Cozinhar, passar roupas, dar banho em recém-nascido e, eventualmente, acender
churrasqueira, para citar apenas alguns exemplos, pode representar perigo
quando não são observados cuidados simples e imprescindíveis.
A médica orienta que o uso do álcool líquido em casa deve estar fora de
cogitação. “Essa substância deve ser utilizada somente quando não é possível
usar água e sabão, e sempre fora do ambiente doméstico”.
Algumas dicas para evitar acidentes em casa:
• Cobrir tomadas com proteção adequada;
• Proteger pilhas e baterias de objetos com fita para evitar que sejam engolidas;
• Não deixar objetos pequenos, cortantes e perfurantes, ao alcance de crianças;
• Não deixar produtos químicos, medicamentos, inflamáveis ao alcance de crianças;
• Nunca deixar crianças pequenas sozinhas no banho ou quaisquer recipientes com água (o afogamento pode ocorrer em segundos!);
• Instalar grades de pelo menos 1,20 metro nas bordas das piscinas;
• Ter supervisão exclusiva de adultos em ambientes de piscina (não pode dividir a atenção com celulares, livros, etc);
• Usar boias aquáticas específicas para o tamanho da criança quando os pequenos forem nadar.
Crédito da imagem: Anni Sieglitz / Fhemig