Em Itajubá, especialistas, deputados e representantes da sociedade civil debateram problemas e possíveis soluções
A região Sul de Minas vem registrando uma tendência de aumento da temperatura média diária e redução do nível de chuva, impactando fortemente na produção agrícola e na frequência de eventos extremos de clima. A preocupação ainda é maior ao se constatar que 80 mil pessoas da região moram em áreas de risco, com destaque para os municípios de Careaçu, onde 31,66% dos moradores estão nessa situação, e Itajubá, com 28,80% dos moradores nessas localidades.
Esses são alguns dados revelados nesta segunda-feira (27/5/24), em Itajubá, durante o segundo encontro regional do Seminário Técnico Crise Climática em Minas Gerais: Desafios na Convivência com a Seca e a Chuva Extrema, realizado pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Durante a manhã, o professor da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), Benedito Cláudio da Silva, apresentou um panorama climatológico da região. Ele citou o exemplo da cidade de Passa Quatro que, desde 2008, vem apresentando aumento da temperatura. Em 2023, a cidade, que era conhecida por seu clima ameno, chegou a registrar 38°. Por outro lado, a mínima chegou a 3°.
Essas variações climáticas acabam interferindo no ciclo reprodutivo das plantas, como explicou o pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), Emerson Gonçalves que, à tarde, participou do painel “Diagnóstico regional sobre os impactos da crise climática”. Segundo ele, as estações já não estão sendo tão definidas como no passado. Os invernos marcados por geadas têm apresentado essas baixas temperaturas de forma mais pontual.
Emerson Gonçalves explicou que muitas plantas precisam dos tempos mais frios para florir e frutificar e são prejudicadas com essas mudanças. Normalmente durante os meses de maio, os produtores faziam podas das vegetações que deviam florir a partir de julho.
“Como consequência das alterações, algumas frutas já estão florindo ou dando frutos, já nesse maio”, exemplificou. A produção de algumas espécies acaba ficando comprometida.
De acordo com Benedito Cláudio da Silva, a redução do volume de chuvas, registrada principalmente a partir de 2014, tem refletido na vazão do Rio Sapucaí que, junto com seus afluentes, alimenta a Usina de Furnas, estrutura importante para a geração de energia de todo o Brasil.
Paradoxalmente, tem sido frequente volume maior de chuva em tempos mais curtos, provocando alagamentos, destruição de estradas, queda de barreiras e encostas, além de comprometer a colheita agrícola. As mudanças climáticas trazem ainda eventos severos de geadas, tempos mais longos de secas, facilitando queimadas e perda de produção. “Palavras, intenções e promessas precisam se transformar em ações concretas”, afirma o professor.
Durante o seminário, muitos participantes lembraram a enchente de 2000 vivida por Itajubá, fazendo a comparação com o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul. Na ocasião, as águas chegaram a ultrapassar 1,4 metro de altura, atingindo toda a cidade. Benedito da Silva lembrou que as características geográficas e climáticas da cidade são semelhantes à do Estado do Sul do Brasil, alertando para o risco de se repetir, na cidade, outro desastre até pior do que o de 24 anos atrás.
Chefe do Núcleo de Operações do Comando Especializado de Bombeiros, major Kleber Silveira de Castro ressaltou que, além de eventos como inundações e secas severas, as mudanças climáticas impactam também na ocorrência de incêndios florestais. De 2015 a 2023 houve aumento gradativo do número de queimadas em Minas, passando de 9.765 casos, para 17.127. O ano de 2021 foi o que registrou o maior número de incêndios, 24.286.
Na análise do bombeiro militar as alterações no clima tendem a aumentar a incidência dos incêndios, que deverão ser enfrentados com ênfase em pesquisa, inovação tecnológica e cooperação internacional. “Mitigação com educação é fundamental”, sugeriu.
Políticas públicas e envolvimento da sociedade são caminhos para solução
A chuva em Itajubá impediu que o presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), participasse do seminário, por falta de teto para o pouso do avião que o traria à cidade. Em vídeo gravado e divulgado durante o encontro, o parlamentar lembrou que o município tem registrado problemas climáticos como secas, geadas e fortes chuvas.
Ele explicou a dinâmica do seminário, que foi lançado em 14 de março, em parceria com 60 instituições da sociedade civil. A etapa de interiorização conta com sete encontros no interior, onde serão ouvidos diagnósticos dos problemas em cada região e levantadas sugestões para enfrentamento da crise.
Na etapa final do seminário, em agosto, em Belo Horizonte, serão compiladas as melhores propostas. “Queremos ao final desses encontros ter um grande diagnóstico para entender como a Assembleia, na prática, pode ajudar o Estado de Minas Gerais a enfrentar esses problemas”, afirmou Tadeu Martins Leite.
O deputado Ulysses Gomes (PT), que coordenou os trabalhos pela manhã, complementou que o relatório final terá por finalidade contribuir com propostas legislativas ou de ações de políticas públicas que possam mitigar os danos causados pelas mudanças climáticas. “O momento requer responsabilidade de todos os órgãos e agentes públicos”.
Com o mesmo raciocínio, Doutor Paulo (PRD) disse que a intenção é, com as ações, prever o futuro. “Que a gente possa com o governo do Estado, com o governo federal e com a sociedade, prever, monitorar, buscar ideias para evitar os desastres”.
Coordenador do seminário na parte da tarde, o deputado Rodrigo Lopes (União) ressaltou a importância do planejamento no enfrentamento da crise. Ele citou o desastre do Rio Grande do Sul como exemplo de consequência pela falta de planejamento e de ouvir a ciência. “É um sofrimento que poderia ter sido evitado”.
Ao considerar Minas Gerais como uma síntese do Brasil, com ocorrências tanto de excesso de chuvas como de seca extrema, Rodrigo Lopes atentou para o risco ainda maior pelo excesso de barragens existentes no Estado. “Os danos podem ser ainda piores”, advertiu.
Os alertas para novos desastres em função das mudanças climáticas foram feitos por outros participantes, como o reitor da Unifei, Edson da Costa Bortoni, segundo o qual o clima no planeta é dinâmico, mas com a interferência humana o aquecimento está se acelerando.
Experiências buscam convivência com desafios
Foram apresentados quatro exemplos de boas práticas já implementadas na região, para melhorar a convivência com os desafios impostos pelas mudanças climáticas.
Representante da Superintendência de Desenvolvimento Ambiental da Copasa, Marco Alfredo Gomes Colombini falou do Programa Pró-Mananciais, que prevê a proteção e recuperação de fontes de captação de água para abastecimento público.
Entre as medidas, estão ações de preservação e recuperação das bacias hidrográficas como cercamento de nascentes, plantio de mudas nativas e bacias de contenção de água de chuva. Também há um trabalho de educação ambiental voltado para estudantes, agricultores e moradores dos municípios atendidos.
A concessionária já aprovou a implantação do projeto em 291 municípios mineiros, abrangendo 347 bacias. Na região Sul, serão atendidos 56 municípios e trabalhadas 78 bacias.
A CEO e co-fundadora da startup Asthon Tecnologia, Vitória Jacomelli Baratella, apresentou um sistema de monitoramento e alerta de inundações em uso na bacia do Rio Verde, que utiliza rádio frequência, permitindo a transmissão em tempo real e em condições adversas, pois dispensa a necessidade de sinal de internet ou de energia elétrica.
São transmitidas informações sobre o nível dos rios e alertas de chuvas, que podem ser acessadas pela Defesa Civil e por moradores cadastrados. São utilizados, ainda, métodos de Inteligência Artificial (IA) para previsões de riscos com base no banco de dados coletados. Esse monitoramento já está em funcionamento nas cidades de Passa Quatro, Itanhandu, Itamonte, São Sebastião do Rio Verde e São Lourenço.
Matheus Franco Severino, analista da Cooperativa Regional de Cafeicultores em Gaxupé falou sobre o projeto Minas D’Água da Cooxupé, que teve início em 2017. Diante da escassez de água no município, a cooperativa passou a restaurar áreas de preservação permanente (APPs) nas propriedades rurais situadas na cabeceira da Bacia do Rio Guaxupé.
Já foram atendidos 147 produtores com a distribuição de mais de 68 mil mourões, 8 mil mudas de plantas nativas e 639 hectares de áreas protegidas.
O coordenador técnico regional da Emater em Alfenas, Kleso Silva Franco Júnior, finalizou as apresentações com o projeto Construindo Solos Saudáveis, que consiste no cultivo de plantas que podem melhorar a qualidade de filtração de água, aumentar a presença de matéria orgânica no solo e evitar as erosões.
O projeto, que começou em 2021, atendendo 50 unidades, já chegou a 600 este ano. O técnico explicou que o Brasil convive com uma perda de 616 milhões de toneladas de solo anualmente, o que corresponde a 40 vezes mais os solos que se recompõem, com reflexos na produtividade da terra e na capacidade de absorção da água, que pode evitar os alagamentos e outros desastres.