Subnotificação de violência sexual e drogas de abuso desafiam autoridades

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Nove em cada dez vítimas não procuram assistência. Atendimento humanizado busca encorajar denúncias.

Importância do rápido atendimento das vítimas e da atualização tecnológica da perícia foi destacada por participantes do debate Álbum de fotos Foto: Willian Dias

Apenas uma em cada dez vítimas de violência sexual procuram atendimento. A baixa notificação é alarmante, sobretudo porque esse crime repercute na saúde física e mental da pessoa agredida. O alerta é da chefe de Serviço de Sexologia Forense do Instituto Médico Legal André Roquette (IMLAR), a médica legista Elisa da Cunha Teixeira.

Elisa foi uma das convidadas do debate público realizado pela Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que tratou, ao longo de toda esta segunda-feira (4/12/23) dos desafios, perspectivas e soluções necessárias para enfrentar ameaças como drogas sexuais, estupros virtuais e redes de violação contra crianças e adolescentes.

Na mesa que abordou a atuação técnico-científica nas investigações, a ginecologista reforçou que o atendimento dever ser feito o mais rápido possível para viabilizar a profilaxia de doenças sexualmente transmissíveis e a coleta de vestígios para comprovação material da agressão e possível identificação do autor. “O primeiro atendimento tem que ser de saúde, independentemente das providências criminais”, frisou.

Em Minas, segundo Elisa, um protocolo de atendimento humanizado está em vigor, garantindo que a vítima faça apenas um depoimento, que será usado para todas as providências. Em todo o Estado, há 109 hospitais de referência para esses casos, sendo que 47 já estão com o protocolo implantado. Em Belo Horizonte e Região Metropolitana, 70% das vítimas são atendidas no Hospital Odilon Behrens.

Ainda citando a subnotificação, a médica afirmou que, por ano, o IMLAR faz cerca de 4 mil perícias de suspeita de violência sexual, sendo mil a tempo da coleta de vestígios.

Amostras confirmam presença de drogas sexuais

Em 2023, 280 amostras indicaram possível uso de drogas de abuso sexual, número considerado alto mesmo sendo subestimado, conforme análise do perito criminal Sandro Cruz, toxicologista e chefe da Divisão de Laboratórios do IMLAR. Segundo ele, as drogas de abuso podem incluir álcool e cocaína, mas, especificamente, são aquelas depressoras do sistema nervoso central, que deixam a vítima sem capacidade de discernimento.

Sandro abordou o trabalho dos laboratórios de toxicologia forense e de anatomia patológica forense, que auxiliam nas investigações dos crimes sexuais e falou sobre a necessidade constante de atualização desses serviços, em função da chegada de novas drogas. A deputada Delegada Sheila, que preside a comissão, avaliou que os delegados precisam conhecer os serviços, para que façam as demandas adequadas de exames, por exemplo.

O assessor de Relações Político-institucionais da Associação Mineira de Medicina Legal, Gerson Coelho Cavalcante Junior, afirmou que a resposta dos exames pode demorar, em função da necessária confrontação de dados, mas que ela vem. Nesse sentido, Elisa Teixeira citou o banco de DNA do Estado, que vem sendo carregado com dados desde 2015. Até agora, segundo ela, foram 200 coincidências de dados, sendo 55 de vestígios de violência sexual.

“A prova técnica é vital”, acentuou o chefe da Divisão da Delegacia de Orientação e Proteção a Criança e ao Adolescente, delegado Eduardo Vieira Figueiredo. O grande desafio da investigação, segundo ele, é que a violência sexual ocorre às escondidas, sem testemunhas. E, embora o relato da vítima seja cada vez mais valorizado, é importante buscar a materialidade, seja por vídeos ou mesmo informações sobre computadores, nos casos de estupro virtual.

Banho solidário resgata dignidade de usuários

Na terceira mesa do debate, que enfocou o papel da sociedade frente às drogas e as violências sexuais, um dos destaque foi o projeto Banho Solidário. Daiane Costa, fundadora do projeto e da Rede Solidária BH, explicou que ele é voltado para usuários de crack na Pedreira Prado Lopes, na Capital. “O banho é um resgate da dignidade dessas pessoas a quem queremos oferecer uma nova oportunidade de vida”, frisou.

Ela completou que o banho é a primeira etapa de um atendimento que envolve psicólogos e assistentes sociais, que buscam entender o motivo de o usuário estar na rua. Com base nesse depoimento, o usuário pode ser encaminhado a uma comunidade terapêutica para tratamento.

Desde 2016, de acordo com Daiane, foram atendidos mais de 5900 pessoas por cerca de 3500 voluntários engajados na causa. Mensalmente, de 70 a 150 usuários passam pelo Banho Solidário, sendo 80% homens e 20% mulheres.

Ela fez, por fim, um alerta quanto à tragédia verificada entre mulheres viciadas em crack: 23% engravidam de 2 a 3 vezes; outras 17% ficam grávidas uma vez e 43% disseram que não usam preservativo.

Vanessa Lima, fundadora do Instituto Mila (Movimento Infância Livre de Abusos), afirmou sentir falta do engajamento maior da sociedade civil num tema tão importante discutido na ALMG. “Vemos poucas pessoas participando deste debate, revelando seu desinteresse e, depois, colocando a culpa nas autoridades”, disse. 

A ativista denunciou o uso cada vez mais precoce das telas por parte de crianças sem o devido acompanhamento dos pais. “Vemos o quanto isso tem sido prejudicial para a formação do caráter dessas crianças”, avaliou ela, valorizando a importância de atuar na prevenção desses problemas. “Não podemos proibir que o adolescente use o eletrônico, mas esse uso deve ser consciente”, enfatizou. 

Transição de gênero

Noutro momento, Vanessa Lima abordou as chamadas transições de gênero em adolescentes e até crianças, com aceitação dos pais. Segundo ela, atualmente, se esses menores revelam características associadas ao sexo diferente do biológico, há um movimento de parte da sociedade que os classifica como pessoas com incongruência de gênero.

“A criança, ao não se interessar por objetos, roupas normalmente associados a seu sexo de origem, é considerada trans por parte da sociedade. Na visão dela, uma criança a priori não tem subsídios adequados para se categorizar como menino ou menina e essa imposição da transição acontece muitas vezes por parte das famílias.

A essa tendência, ela contrapôs dados da Sociedade Brasileira de pediatria, mostrando que há uma tendência no fim da adolescência à “solução natural da chamada disforia de gênero”, com índice entre 80% e 90%. Esse conceito vale para as pessoas que apresentam angústia ou dificuldade de funcionamento relacionados a uma sensação de que o sexo de nascimento não corresponde ao seu sentimento interno.

Ainda segundo Vanessa, muito do que tem sido feito com crianças “transicionadas e hormonizadas” provém de uma cultura divulgada massivamente na internet. A deputada Delegada Sheila concordou, acrescentando que a internet direciona os menores para matérias que tratam da transição de gênero, todas elas impróprias para a idade.

Vigilância dos pais

Thais Gomes, psicóloga especializada em psicoeducação, tratou da responsabilidade de pais pela vigilância do que os filhos veem na web. “A ausência dos pais vem sendo suprida com tecnologia; a conversa à mesa é substituída pelos eletrônicos”, apontou.

“Devemos avaliar quanto temos falhado ao lidarmos com as crianças como pessoas que as protegem. Às vezes, um aliciador age de forma mais ‘carinhosa’, tocando na carência da criança de forma enganosa”, alertou. Como contraponto, defendeu que os pais conversem com os filhos, para tentar detectar qualquer sinal estranho. “As crianças precisam ser amadas, aprovadas e aceitas no seio familiar; o silêncio dos bons está fazendo com que o mal se alastre”, concluiu.

Por fim, Sabrina Marques, falou do projeto “Quebrando Silêncio”, que ela coordena na Região Central do Estado. Atrelado à Igreja Adventista, o projeto busca conscientizar principalmente crianças e adolescentes, mas também mulheres e idosos, sobre o que é o abuso. Ela registrou que as estatísticas mostram o aumento de 69% nos casos de abusos contra menores, revelando, por outro lado, que se ampliaram também as denúncias, o que mostra o aumento da conscientização.

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