Os dissabores das multidões são uma espécie de dor de dente, e na boca da sociedade há muitos dentes estragados, que doem. Mas a sociedade dispensa os remédios específicos e eficazes, satisfazendo-se com exterioridades brilhantes, obturando-os com ouro, que reluz, com o que, porém, eles continuam a estragar-se. Por isso mesmo o paciente não pode furtar-se à continuação da dor.
Muitos são os “dentistas” sociais que procuram cuidar dos males do mundo, oferecendo obturações bonitas, e muitos são os sofredores que cedem à vontade dos reformadores, com o que aumentam os seus próprios sofrimentos, depauperam-se, profundamente, e se enganam a si mesmos, até que caem no abismo da morte.
Os dentes podres do Brasil começam a ser encontrados nas escolas, onde a mocidade de hoje aprende a ser triste manhã; nas suas cortes de justiça, onde as leis podem ser torcidas, brincando com elas, como o tigre brinca com sua presa; nos palácios, onde predominam a falsidade e a hipocrisia; e nos tugúrios dos pobres, onde moram o medo, a ignorância e a covardia.
Os dentistas políticos, de dedos macios, enchem de mel os ouvidos do povo, alegando que estão obturando as cáries da fraqueza nacional. A voz deles é postada para soar mais alto do que a mó do moinho, mas na verdade ela não é mais nobre do que o coxear de rãs no pântano de águas estagnadas. Muitos são os pensadores e idealistas neste mundo vão, e como são fugazes os seus sonhos…
A beleza pertence à juventude, mas a juventude para a qual esta terra foi feita não é nada mais que sonho, cuja doçura é presa à cegueira que só se nota tarde demais. A velhice é a neve da terra; ela deve, pela luz e pela verdade, dar calor aos sonhos da juventude, protegendo-a, cumprindo, assim, os seus propósitos, até que o tempo venha e complete o puro desabrochar da juventude com um novo despertar.