Por meio de Cejusc, ocorreram audiências cíveis na aldeia Maxacali
João Bidé e Margarida Maxakali, integrantes da aldeia
indígena Maxacali Água Boa, no município de Santa Helena de Minas, no Vale do
Mucuri, viviam juntos há quase quatro décadas sem qualquer documento oficial
que comprovasse a relação. A distância entre a aldeia e a cidade e os trâmites
burocráticos eram fatores que desanimavam o casal. Mas no último sábado (20/8)
João e Margarida conseguiram, afinal, legalizar — e comemorar — a união
estável.
A legalização foi possível graças ao Projeto Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali, realizada no sábado (20/8) e domingo (21/8) nas aldeias indígenas das cidades de Santa Helena de Minas e Bertópolis, ambas pertencentes à comarca de Águas Formosas, Nordeste de Minas Gerais.
O projeto, apoiado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), tem como
objetivo levar dignidade, justiça e cidadania aos Maxakalis, um dos mais
antigos povos indígenas do país. O evento foi idealizado pelo juiz e diretor do
foro de Águas Formosas, Matheus Moura Matias Miranda, que esteve à frente das
ações no fim de semana.
Por meio de um grande mutirão, que também contou com a
participação da Defensoria Pública, Ministério Público Estadual, Procuradoria
Geral da República, Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, Fundação
Nacional do Índio (Funai), Polícia Civil e Militar, centenas de indígenas foram
beneficiados com as ações do projeto.
Balanço
Ao todo, foram realizadas 52 audiências de reconhecimento de união estável e guarda nas aldeias de Água Boa, em Santa Helena de Minas, e Pradinho, em Bertópolis. As audiências, que fazem parte do eixo Justiça do Projeto, deram origem a documentos que não faziam parte do cotidiano indígena. Mas isso mudou, já que o reconhecimento de união estável pela Justiça permite aos indígenas, no caso de morte de uma das partes, receber pensões do Poder Executivo, conforme prevê a Constituição Federal de 1988.
O projeto também mudou a vida do casal Vadé e Namia Maxakali. Além de
oficializarem a união estável, eles registraram a adoção do pequeno Alfredo
Maxakali, de apenas um ano. O garoto é filho de uma indígena que morreu
precocemente. A avó materna não se interessou em ficar com o neto, que foi
adotado pela tia-avó, Namia Maxakali.
“Estamos muito felizes com a oficialização da nossa união.
Temos filhos e netos e agora teremos como filho o pequeno Alfredo, que faz
parte da família maxakali”, comemorou Namia, orgulhosa com os papéis que
oficializam o casamento com Vadé e a guarda de Alfredo.
Eleições e rodas de conversa
Já as eleições simuladas, que integram o Eixo Cidadania do
projeto, serviram para que os índios aprendam a lidar com urnas eletrônicas.
Também foram realizadas “rodas de conversa”, que fazem parte do Eixo
Democracia, entre os líderes das aldeias e representantes das instituições
envolvidas no projeto, visando identificar os principais problemas dos
Maxakalis.
Nas “rodas de conversas”, os indígenas expuseram suas
principais demandas, como dificuldades em acessar benefícios previdenciários;
necessidade de fortalecimento da Funai; invasão de gado e até ágio cobrado aos
indígenas por parte dos comerciantes na venda de alimentos e produtos
eletrônicos.
O projeto
O Projeto Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali
foi idealizado em 2019 pelo diretor do foro de Águas Formosas, juiz Matheus
Moura Matias Miranda, e, mesmo com a pandemia da Covid 19, vem ganhando força
com a realização de audiências na área de família, expedição de carteiras de
identidade, títulos eleitorais e simulações de eleições entre os indígenas.
O juiz Matheus Moura sempre se mostrou preocupado com a
causa dos índios maxakalis, que, de acordo com historiadores, vivem na região que
engloba o Sul da Bahia e Norte e Nordeste de Minas Gerais há aproximadamente 14
mil anos. Ao escolher a comarca de Águas Formosas, ele abraçou a causa indígena
e colocou o projeto em campo.
“Fizemos várias ações que visavam emissão de carteiras de identidade, títulos
de eleitor, visitas periódicas às aldeias, simulações de eleições e outras
rodas de conversa”, ressaltou o juiz Matheus Moura, que prevê a expansão do
projeto com o término da pandemia e com maior apoio das instituições.
Ele conta que, no início, teve que quebrar algumas
barreiras, a primeira delas o idioma falado pelos maxakalis há vários séculos e
que pertence ao mesmo tronco linguístico dos índios Pataxós, que habitam o Sul
da Bahia. Dos 2,2 mil indígenas maxakalis que vivem na região, poucos falam o
português, motivo que dificulta a inserção na sociedade moderna.
“Nosso objetivo é consolidar o projeto e institucionaliza-lo. A carreira de um
magistrado é muito dinâmica. No futuro posso não estar mais na comarca e o
outro magistrado que me substituir deverá dar sequência no projeto, caso esteja
institucionalizado. Acredito neste caminho, pois estamos recebendo total apoio
da Presidência do TJMG”, completou.
Eixo Justiça
No Programa, no eixo específico de Justiça, “foi implantado
procedimento de identificação de demandas judiciais intermediado pelo Setor
Pré-processual do Cejusc, com a participação dos órgãos de justiça
colaboradores e Funai, para subsequente realização de mutirões de audiência “in
loco”.
Segundo a proposta, “por meio do Cejusc estão sendo
realizadas audiências cíveis nas aldeias, com participação da Defensoria
Pública de Minas Gerais e do Ministério Público, neste segundo semestre de
2022. Com apoio do Setor de Cidadania do Cejusc, foi aprofundada a tratativa de
temas sensíveis, como saúde e segurança alimentar”.
Acesso à Justiça
“Os índios não tinham acesso à Justiça. Portanto, é
importante para nós, que representamos instituições, que façamos o caminho
inverso e agora estamos aqui para atender aos anseios dos indígenas. Desta
forma, eles passam a enxergar o poder do Estado não para reprimi-los, mas sim
para apoia-los”, ressaltou o promotor da comarca de Água Formosa, Felipe
Salgado.
Na Fundação Nacional do Índio (Funai) desde 1986, Marilton
Vasconcelos mergulhou no universo dos Maxakalis ao ponto de atualmente ser um
dos poucos homens brancos a dominarem o idioma tikimon, falado há milênios
pelos indígenas.
“Os Maxakalis vivem em condições precárias. São indígenas
vulneráveis e que precisam da força do Estado para sobreviver”, afirmou
Marilton, que é peça fundamental no projeto, pois consegue se comunicar
fluentemente com os índios que não falam o português.
Uma das principais lideranças dos indígenas é Luizinha
Maxakali, filha de pai indígena e mãe branca, uma das poucas a dominar o idioma
português. Ela comemora a ação do TJMG e de outras instituições na aldeia.
“Nós passamos por muitas dificuldades. Ficamos
impossibilitados de caçar e pescar, pois nossas terras foram reduzidas. Hoje
vivemos da plantação de mandioca, milho e batata, mas ainda é insuficiente para
sustentar nossas famílias. Precisamos de ajuda externa, que agora chega com
este projeto. Não queremos viver apenas de ajuda. Precisamos ter condições de
trabalho para oferecer um futuro melhor para as nossas crianças, mas sempre
pensando na preservação da nossa cultura, que é milenar”, disse Luizinha
Maxakali.
Fonte: Diretoria de Comunicação Institucional – Dircom Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG (31) 3306-3920 imprensa@tjmg.jus.br