Mães enfrentam desafios diários para inclusão de autistas

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Diagnóstico tardio, deficiências nas escolas e até falta de cuidado para si próprias foram queixas relatadas.

Comissão ouviu relatos de mães e especialistas com vistas a aprimorar as políticas públicas – Foto: Daniel Protzner

“Somos terapeutas dentro de casa sem receber cuidados, somos privadas de vida social, sofremos antes, durante e depois do diagnóstico, enfrentamos discriminação, encontramos muitas portas fechadas e envelhecemos sem saber quem vai nos substituir, o que é nosso maior terror. Mas amamos incondicionalmente e nos tornamos pessoas melhores no convívio com nossos filhos autistas”.

O relato de Maria Teresa Alves Gatti, presidente da Associação de Apoio à Deficiência Nossa Senhora das Graças (Agraça) e mãe de Joice, autista de 33 anos, é uma síntese dos desafios, dificuldades e decepções enfrentados pelas mães na busca pela garantia de direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

O assunto foi debatido pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (7/4/22), em referência ao Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado no último dia 2. Neste ano, a campanha nacional tem como tema “Lugar de autista é em todo lugar”, conforme destacou a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), presidenta da comissão e autora dor requerimento para o debate.

A psicopedagoga Marjorie Reis, do Movimento Mães Especiais: Unidas Pelo Autismo, de Belo Horizonte, também relatou a rotina “exaustiva” em busca de tratamento para Heitor, o que a levou a criar a rede de mães que se apoiam pelo WhatsApp. Isso depois da luta por um diagnóstico precoce, sem apoio dos profissionais de saúde. “Eu sabia que as intervenções rápidas seriam melhores”, justifica.

Na lista de melhorias necessárias nas políticas públicas para a área, Marjorie cita a ampliação das equipes complementares do Sistema Único de Saúde (SUS), para que o atendimento chegue a todos e com maior frequência. Também cita a necessidade de qualificação de profissionais da educação, sobretudo os monitores que acompanham os alunos com TEA. O acolhimento às famílias é outra reivindicação. “Convivemos com o estresse e o adoecimento das mães, que se isolam”, afirma.

Kélen Chaves, ativista da causa e mãe de Luís Félix, de 9 anos, é exemplo dessa dificuldade familiar. Moradora de Inhapim (Rio Doce), ela teve que deixar o emprego de assistente social para cuidar da criança. Nessa caminhada, se descobriu também autista. “Falta acolhimento para os pais. São muitas angústias, como quando ele me questiona se vai casar”, desabafa.

A falta de medicamentos alternativos, como o canabidiol, os prazos longos entre as sessões de terapia e a dificuldade de inclusão nas escolas foram queixas de Aurísia Brito, mãe de Elisa, 19 anos, moradora de Nanuque (Jequitinhonha/Mucuri). “As escolas tratam nossos filhos como batatas quentes”, comparou. Igilene Camilo, de Barão de Cocais (Central), e Niwllamar Rhayza, de Nova Era (Central), também denunciaram violações constantes dos direitos de seus filhos autistas.

Marjorie Reis cobrou qualificação profissional e acolhimento às famílias – Foto: Daniel Protzner

Educação

O ex-deputado Paulo Lamac, consultor técnico da Prefeitura de BH, lembrou a meta 4 do Plano Estadual de Educação, que ele ajudou a relatar na ALMG. Essa meta trata, justamente, do atendimento educacional especializado para a população de quatro a dezessete anos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. “Quando escutamos esse relato de ‘batata quente’, vemos o desvio no propósito da lei. Isso é vergonhoso e ilegal”, aponta.

Autistas são estimados em 2 milhões no Brasil

Embora o País careça de estatísticas mais precisas sobre os portadores do TEA, estima-se que 2 milhões de brasileiros tenham autismo, o que demanda adaptações diversas, como na educação e na oferta de emprego. Ana Paula Siqueira reforça que as mulheres acabam sendo sobrecarregadas na tarefa de cuidar dessas pessoas.

O psiquiatra da infância e adolescência Antônio Marcos Alvim, professor Adjunto do Departamento de Saúde Mental da UFMG, destaca que as mulheres também são vítimas no tratamento do TEA. Segundo ele, há três a quatro homens para cada mulher com o transtorno. Mas o subdiagnóstico prevalece nas meninas, que têm a condição simplificada como “inadequada”.

Ainda segundo o médico, a Associação Americana de Pediatria recomenda o diagnóstico de TEA entre 18 e 24 meses de idade, enquanto o prazo médio no Brasil é de 60 meses ou cinco anos. “O acesso ao tratamento é difícil e não é só no Brasil. Mas em Minas, por questões ideológicas, não há uma política pública na psiquiatria para crianças e adolescentes”, argumenta.

Carteira

A única representante do Executivo na audiência foi Ana Carolina Gusmão da Costa, superintendente de Participação e Diálogos Sociais da Subsecretaria de Direitos Humanos da Secretaria de Desenvolvimento Social. Ela destacou ações informativas e de conscientização e, também, a implementação, no Estado, da Carteira de Identificação da Pessoa com TEA (Ciptea), prevista na Lei federal 13.977, de 2020.

O documento, segundo ela, dá acesso a serviços especializados de saúde e educação e também garante prioridade nos atendimento de urgência, por exemplo. “Como bem disse uma mãe, muitas vezes o autista não tem cara de autista”, enfatiza. Em Minas, desde dezembro de 2021, foram solicitadas 3.212 carteiras, sendo que 2.602 já foram expedidas. A Ciptea pode ser requerida presencialmente nas Uais ou virtualmente no site cidadao.mg.gov.br.

Ana Paula Siqueira lamentou a ausência de representantes das Secretarias de Saúde e de Educação, que enviaram, apenas, a justificativa de ausência dos titulares. Ela anunciou requerimentos direcionados às duas pastas com pedidos de informações sobre ações, projetos e políticas para a população autista.

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