Mulheres pedem rede de promoção de direitos mais forte

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A necessidade de se enfrentar a violência não só no âmbito criminal foi o tom do debate no Dia Internacional da Mulher

Ana Paula Siqueira falou sobre a importância de mulheres negras ocuparem espaços de poder e ressaltou que a legislatura atual é a primeira na ALMG com deputadas negras Foto: Ricardo Barbosa

Para que as mulheres acessem seus direitos, é preciso fortalecer muitas instituições, não apenas as da Justiça. De acordo com Wânia Pasinato, consultora em políticas públicas de enfrentamento da violência contra a mulher, que participou de reunião na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) na manhã desta terça-feira (8/3/22), instituições de assistência social e de saúde estão entre as que precisam ser melhor articuladas para garantir a promoção dos direitos e o enfrentamento à violência de gênero.

O encontro foi o primeiro do Ciclo de Debates Mulheres e Política: Por representatividade, justiça e respeito, iniciado neste Dia Internacional da Mulher. O painel inaugural teve como tema “Justiça e Direitos: por que é tão difícil para as mulheres alcançá-los?”. Além da necessidade de se fortalecer diferentes instituições na rede de proteção, também foram tratadas as desigualdades raciais que fazem com que as mulheres negras tenham mais dificuldades em acessar seus direitos. 

As convidadas lembraram dos avanços alcançados com a aprovação da Lei Maria da Penha, mas também apontaram que muitos dos seus dispositivos ainda não são cumpridos. A falta de uma rede de apoio é um dos problemas colocados por Wânia Pasinato.

A lei trata não apenas da punição dos abusadores, mas também de medidas da promoção dos direitos das mulheres; na prática, porém, o foco tem sido apenas nas medidas punitivas, de acordo com ela. “Enfrentamento à violência é mais do que essa abordagem criminal, é prevenção, é proteção da vida, promoção dos direitos”, disse. 

Nesse sentido, Wânia Pasinato falou sobre a importância de se fortalecer instituições que podem oferecer acolhimento, com atendimento multidisciplinar para que as mulheres tenham as peculiaridades das suas histórias levadas em consideração na busca de soluções para as violências sofridas. Para tanto, ela falou que é preciso lutar por recursos orçamentários e humanos para tais instituições, de forma a torná-las sustentáveis a longo prazo, e para um planejamento com vistas a construir uma articulação da rede de proteção e promoção de direitos. 

Ceclília Bié, sobrevivente de um relacionamento abusivo, ofereceu o seu depoimento durante a reunião e corroborou com a colocação de que instituições fortes, bem articuladas e para além do sistema de Justiça são importantes para a superação das violências. Ela disse que organizações como o Centro Especializado de Atendimento à Mulher Benvinda, da Prefeitura de Belo Horizonte, e o projeto Por Elas, do Hospital das Clínicas, foram colaboradores indispensáveis para que ela superasse o relacionamento abusivo em que se encontrava.

Ela tem, atualmente, três medidas protetivas contra o antigo companheiro – duas delas por violação da medida original. “Ou seja, uma medida deveria ter bastado. E até hoje ele não sofreu qualquer consequência por causa do descumprimento”. Ao contar a sua história, ela critica o funcionamento do Sistema de Justiça e diz que, em audiências conciliatórias com vistas à dissolução da união estável, foi novamente agredida moralmente pelo ex-companheiro sem receber o acolhimento necessário dos profissionais ao redor.

Descrença na Justiça

Ao criticar a falta de empatia de profissionais de apoio, Daniela Schanen disse que há uma inversão da culpa entre agressor e vítima – Foto:Ricardo Barbosa

A autora do livro “Eu disse não: uma história real de amor, abuso e superação”, Daniela Schanen, também compartilhou sua experiência enquanto sobrevivente de violência doméstica. Em comum com Cecília Bié, ela tem a descrença na Justiça.

Ela falou sobre como o ex-companheiro usou diversos subterfúgios legais para negar uma pensão justa às duas filhas e, mesmo diante de valores baixos impostos nos processos, ele se recusava a pagar a quantia, deixando ela e as filhas desamparadas financeiramente. 

Disse, ainda, de uma das agressões físicas sofridas, quando o já ex invadiu seu ambiente de trabalho e a machucou. Mesmo com toda a documentação relativa a tal dia, ele não foi responsabilizado pela Justiça, contou a convidada.

Outro problema apontado por Daniela Schanen é o que chamou de “despreparo” e “falta de empatia” dos profissionais de algumas instituições. “Eu ia à delegacia e a pessoa me perguntava se eu tinha certeza que iria denunciá-lo, falava que eu iria prejudicá-lo, questionava o que eu tinha feito pra ele agir daquela forma comigo. É uma inversão da culpa”, disse. 

A reiteração da violência depois da separação também foi salientada pela convidada, que citou, por exemplo, a campanha de difamação feita pelo seu agressor nas redes sociais: “quando ele não consegue mais manipular o que você pensa, vai fazer de tudo para manipular o que pensam de você”, disse. 

Para Wânia Pasinato, o enfrentamento à violência ultrapassa a abordagem criminal – Foto: Ricardo Barbosa

Desigualdades raciais precisam ser consideradas nas políticas

Benilda Brito, consultora da ONU Mulheres e ativista da Rede Malala Fund e do Movimento de Mulheres Negras N’Zinga, falou sobre a importância de políticas de promoção de direitos das mulheres que levem em consideração as desigualdades raciais. Ao lembrar da início da implantação da rede de proteção da prefeitura de Belo Horizonte, durante a gestão de Patrus Ananias (PT), ela falou sobre questionário respondido pelas mulheres que acessavam os serviços: mais de 60% eram negras. 

A convidada citou a escravidão e as várias formas de silenciar, assediar e agredir as mulheres que são historicamente direcionadas em especial às mulheres negras.

Um dos sofrimentos atuais destacados por ela é a consciência das mulheres negras de que os seus filhos são o alvo preferencial da violência policial. Ela lembrou que, ao contrário das negras, as mães brancas não precisam ensinar seus filhos a levar consigo a nota fiscal da bicicleta ou a não usar determinado tipo de boné, por exemplo. “Nossos filhos não são tratados como adolescentes, mas sim como ‘menores’, ou seja, como infratores”, completou. 

Nesse contexto, Benilda Brito lembrou do conceito de “solidão da mulher negra”. Para ela, essa ideia tem sido entendida em especial no que diz respeito ao mercado emocional, no qual as negras teriam um lugar sexualizado e pouco valorizado para relações duradouras. Mas, para ela, não é só isso: trata-se também da solidão institucional, caracterizada pelo abandono que deixa essas mulheres sem nenhum lugar para buscar apoio na superação as tantas desigualdades às quais são submetidas.  

Ao criticar a falta de empatia de profissionais de apoio, Daniela Schanen disse que há uma inversão da culpa entre agressor e vítima – Foto: Ricardo Barbosa

Violência contra as mulheres não é só no ambiente doméstico

Como parlamentar negra, a deputada Andréia de Jesus (Psol) denunciou nesta semana ter sido ameaçada por policial penal e policial militar reformado enquanto visitava comunidades quilombolas localizadas em Januária, Norte de Minas, onde há conflitos por terra. Durante a reunião desta terça-feira (8), foi exibido vídeo da deputada no qual ela disse que há uma tentativa de silenciamento das pautas que ela defende. 

Assim, ela falou sobre a violência contra as mulheres, que ultrapassa o ambiente doméstico, e disse que não vai se calar. Também a deputada Ana Paula Siqueira (Rede) falou da violência política e da importância de se ocupar espaços de poder: citando Andréia de Jesus e ela própria, a parlamentar falou que é a primeira vez na história que a ALMG têm deputadas negras. 

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