Mulheres exigem fim do ciclo de violência doméstica

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Especialistas defendem a tipificação dos casos, novo padrão de educação e participação dos homens nessa causa.

Nomes de mulheres assassinadas foram bordados pelo Coletivo Linhas do Horizonte e exibidos durante a reunião. – Foto: Willian Dias

“Nomear o feminicídio é importante para quebrar sua invisibilidade e sua naturalização.” A frase da professora Marlise Matos resume o propósito da audiência realizada nesta quarta-feira (26/5/21) pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A partir do manifesto “Nem pense em me matar”, lançado pelo coletivo Levante Feminista contra o Feminicídio, as participantes debateram novos dados da crescente violência de gênero e reforçaram o grito pelo fim da morte de mulheres.

O Levante Feminista, um movimento nacional, foi lançado em Minas Gerais no dia 30 de março deste ano. Seu manifesto já conta com 108 mil assinaturas e não apenas denuncia o aumento do número de mortes de mulheres, sobretudo a partir de 2016, como também corte de verbas para o combate ao crime. A deputada Andréia de Jesus (Psol) leu o documento e defendeu que as medidas de enfrentamento ao problema tenham recorte de raça, já que as negras são maioria das vítimas.

Professora associada do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre a Mulher da UFMG (Nepem), Marlise Matos apresentou dados que sustentam a afirmação de que as taxas de feminicídio no Brasil estão estáveis em um patamar muito elevado, com leve tendência de alta. Em 2015, a taxa brasileira, ponderada pela população, era a quinta maior do mundo. Em 2017, 13 brasileiras foram assassinadas por dia, mais de 80% delas pelos companheiros ou ex-companheiros.

Em Minas, segundo ela, entre feminicídios tentados e consumados, os números saíram de 1,2/dia em 2018 para 0,9/dia em 2021 (até abril). “Cada vida importa. Esses números são vidas. Mas, estatisticamente, essa queda não é nada. Estamos estabilizados no alto”, reforçou Marlise Matos. Ela também questionou a Secretaria de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) sobre o por quê de apenas metade das mortes serem classificadas como feminicídio, já que a maioria ocorre nos domicílios. Em 2019, segundo a professora, morreram 284 mulheres em Minas, segundo o Ministério da Saúde, mas só 144 foram classificadas como feminicídio pela Sejusp.

Classificação de crime como feminicídio é feita por delegados

A necessidade de esclarecer melhor os critérios que levam à disparidade entre o total de mortes de mulheres e o que se apura como feminicídio também foi ressaltada por outras participantes da reunião, como a promotora de Justiça Patrícia Habkouk e a representante da Agência ONU Mulheres Brasil, Aline Yamamoto.

A delegada Isabella Franca Oliveira, que representou a Polícia Civil, afirmou que a tipificação do assassinato de uma mulher como feminicídio depende do delegado de Polícia encarregado do caso. Ela admitiu que os números ainda são altos, mas apontou novos serviços que vem auxiliando no combate a esse crime, tais como a Delegacia Virtual. Criada a partir de um projeto aprovado pela ALMG, ele viabilizou mais de 2,6 mil registros durante a pandemia, segundo a delegada.

A juíza Lívia Borba, da 2ª Vara Criminal de Ribeirão das Neves (Região Metropolitana de Belo Horizonte), disse que alimentação dos dados pelas unidades judiciárias espalhadas pelos 853 municípios do Estado ainda é falha, inclusive pela falta de funcionários. No mesmo sentido, a defensora pública Diana Moura cobrou a interiorização dos instrumentos públicos e da rede de proteção às mulheres.

Representante da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) no debate, a capitã Jane Calixto disse que a corporação vem ampliando sua atuação contra a violência doméstica. Segundo ela, em 2019, apenas 25 municípios mineiros contavam com o serviço de patrulha de prevenção à violência doméstica. Em maio de 2021, esse número já era de 97 municípios, e continua crescendo. Até o final do ano, segundo ela, todos os políciais militares terão passado por um treinamento específico sobre o tema.

Homens não se consideram violentos

Para a pesquisadora da Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz) Elizabeth Fleury Teixeira, somente um novo – e urgente – padrão de educação pode reverter o problema da violência contra mulheres. Ela acompanhou, por um ano, reuniões de homens obrigados a participar de grupos de reflexão, como punição por algum tipo de violência doméstica. O objetivo era ver a origem da tendência de violência.

Entre os participantes da pesquisa, 60% tinham menos de 40 anos e apenas 18% tinham curso superior. Já o recorte de raça apontou 65% de pardos e negros. O conflito foi, na maioria dos casos (85%) com companheiras ou ex-companheiras, mas 25% dos homens avaliaram como um “mal entendido”. “Isso é produto da cultura. Eles não consideram suas práticas violentas”, observa Elizabeth, que também integra o movimento QuemAmaNãoMata.

Emoção – A participação dos homens na causa da violência contra mulheres foi pontuada também por Marco Aurélio Alves Silva, pai de Lorenza de Pinho, assassinada, segundo o Ministério Público, por seu marido, o promotor de Justiça André de Pinho. “Eu me mantinha calado. Não vou mais. Enquanto durar a minha vida, farei essa luta. Somos homens, fortes. Isso deveria ser para proteger. Geramos filhas”, salientou. Num relato emocionante, ele afirmou que perdeu sua metade.

A presidente da comissão, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), lembrou que a inclusão dos homens na luta contra o feminicídio é vital. “Esse é um problema que envolve vidas e que, infelizmente, é naturalizado na sociedade. A violência doméstica atinge todas as camadas sociais e exige educação e união de todos nessa discussão”, afirmou. Além de Ana Paula Siqueira (Rede) e Andréia de Jesus, solicitaram a reunião as deputadas Beatriz Cerqueira e Leninha, ambas do PT. Beatriz sugeriu que o Levante Feminista seja discutido também nas câmaras municipais de Minas.

Secretarias reforçam avanços

Três programas desenvolvidos pela Sejusp foram citados por Andreza Abreu Gomes, subsecretária de Prevenção à Criminalidade da pasta, como avanços nessa temática. A Mediação de Conflitos, segundo ela, atua nos maiores aglomerados do Estado e, muitas vezes, é a primeira porta de entrada para mulheres em situação de violência. Ele sofreu cortes no ano passado, em 30 comunidades, mas será retomado este ano.

A Central de Alternativas Penais, que atende cerca de 100 homens/mês, também será levada a mais três municípios. O programa busca a responsabilização de homens que cometem violência contra mulheres, os mesmos pesquisados por Elizabeth Fleury Teixeira. E há, também o Selo Prevenção Minas, de capacitação da rede de atendimento no interior. Andreza anunciou, ainda, novas parcerias do Executivo, com o Instituto Avon e com a Embaixada dos Estados Unidos para abrigamento e capacitação de mulheres.

Também Jailane Devaroop, coordenadora de Política para Mulheres da Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedese), abordou novos sistemas e metodologias em implantação no Estado para aprimorar o atendimento às mulheres. Cursos de capacitação também estão na pauta da secretaria, incluindo-se a regulamentação da Lei 23.680, de 2020, fruto de projeto de Ana Paula Siqueira, que cria banco de empregos para mulheres vítimas de violência.

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