Reunião homenageou vítimas de rompimentos de barragens em 2015 e 2019. Investigação da Fundação Renova foi cobrada.
Exatos cinco anos após o rompimento da Barragem de Fundão, em 5 de novembro de 2015, tragédia que destruiu povoados inteiros nos municípios de Mariana (Região Central) e Barra Longa (Mata), a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) realizou uma audiência pública para homenagear as vítimas e protestar contra a falta de reparações e de punições às empresas responsáveis.
A audiência foi organizada pela Comissão de Direitos Humanos da ALMG e conduzida por sua vice-presidenta, a deputada Andréia de Jesus (Psol). O evento também homenageou as vítimas do desmoronamento da Barragem B1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (Região Metropolitana de Belo Horizonte), que ocorreu em 25 de janeiro de 2019.
Uma das reivindicações apresentadas durante a reunião foi a criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar a Fundação Renova, a entidade criada pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton para gerenciar as reparações aos atingidos pelo rompimento em Mariana.
A autora do pedido de CPI e representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Tchenna Maso, afirmou que a investigação é necessária tendo em vista os amplos gastos da Renova com publicidade, serviços jurídicos e consultorias, e os resultados pífios apresentados. Segundo ela, o projeto da construção de uma nova Bento Rodrigues, para substituir a comunidade destruída em Mariana, já teria consumido quase R$ 1 bilhão e apenas cinco casas teriam sido erguidas.
A deputada Andréia de Jesus afirmou que a finalidade da reunião foi justamente dar voz a esta e outras reivindicações das vítimas das duas maiores tragédias provocadas pelas empresas de mineração em Minas Gerais. “O obejtivo é dar visibilidade a quem até hoje é considerado indigente nesse processo”, disse a deputada.
Apesar de a tragédia de Mariana ser mais antiga, muitos dos participantes avaliaram que a reparação dos danos causados está mais atrasada do que no caso de Brumadinho. Todos os convidados atribuíram isso ao acordo judicial firmado em 2016 que delegou à Fundação Renova a coordenação das ações de reparação e compensação.
“São cinco anos de raposas tomando conta do galinheiro”, afirmou a assessora técnica independente Bianca Sousa, que atua em Governador Valadares (Rio Doce). As assessorias técnicas regionais são as únicas estruturas previstas no processo de reparação que podem ser definidas pelos atingidos. No caso de Brumadinho, todas as cinco regionais já estão em funcionamento. No caso de Mariana, em que o estrago chegou até o litoral do Espírito Santo, estavam previstas mais de 20 regionais. Apenas cinco foram criadas, até hoje.
Governo do Estado pretende mudar acordo com Renova em 2021
Mesmo o representante do Estado no encontro, o secretário adjunto de Planejamento e Gestão, Luís Otávio de Assis, concordou que o acordo que levou à criação da Fundação Renova não deu bons resultados e, por isso, o governo pretende modificá-lo em 2021, prazo legal para essa repactuação. “O governo pensa em uma revisão profunda”, afirmou Assis. Apesar de não detalhar as intenções do governo, ele afirmou que o objetivo é buscar um acordo que apresente resultados mais rápidos.
Um exemplo disso, segundo o subsecretário, foi um outro acordo parcial entre o Estado e a Fundação Renova, anunciado há 60 dias, que disponibilizou R$ 416 milhões para investimentos em escolas, em um hospital de Governador Valadares (Rio Doce) e na recuperação de estradas. Também no caso de Brumadinho, o governo vem negociando um acordo nos mesmos termos, para fortalecimento do serviço público regional. Luís Assis disse que, nesse caso, a escolha dos projetos alvos do acordo será feita com a participação da sociedade.
Essa promessa do secretário foi recebida com ironia pelo procurador federal Edmundo Dias Netto Júnior, uma vez que uma das principais críticas do Ministério Público, defensores públicos e representantes dos atingidos e de entidades tem sido a falta de transparência e participação popular nos acordos firmados entre instituições públicas e as empresas responsáveis. “O governo está há duas semanas negociando sem a participação das vítimas. Espero que o senhor consiga um acordo com uma participação real”, afirmou o procurador.
Tchenna Maso, do MAB, afirmou que o governo não apenas nega a participação das vítimas nas negociações, mas também coloca todo o processo em sigilo. “Nesses acordos, parte dos recursos sai da compensação coletiva das comunidades. Vai para o rodoanel, mas as comunidades não são ouvidas”, criticou.
Vítimas são assediadas por advogados mal intencionados
Ao longo do debate, diversas outras reivindicações e queixas foram apresentadas. Tchenna Maso pediu a intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) na região de Mariana para coibir a advocacia predatória que leva vítimas a assinarem procurações ilegítimas. Ela também solicitou que o Estado analise o aumento nos índices de aborto e infertilidade na região atingida pelo desastre de Mariana.
A coordenadora da Assessoria Técnica de Barra Longa, Verônica Alagoano, relatou que a reconstrução da comunidade de Gesteira, naquele município, está mais atrasada do que a de Bento Rodrigues, e a própria Justiça decidiu priorizar o reassentamento familiar em detrimento do coletivo.
O coordenador do Instituto Guaicuy e da Assessoria Técnica na Bacia do Rio Paraopeba, Marcus Vinícius Polignano, fez uma apresentação mostrando fotos da tragédia provocada em Mariana. Segundo ele, 40 milhões dos 60 milhões de metros cúbicos de lama de minério derramados continuam no fundo e nas margens dos rios.
Contaminada com metais pesados, a lama volta à superfície toda vez que chove na região, segundo Polignano. Em Barra Longa, a empresa fez uma montanha com os sedimentos contaminados, que acabaram entrando nas casas e colocando em risco a vida das pessoas. “É um efeito sistêmico, não é um dano local”, disse. Ele reclamou que a empresa não assume sua responsabilidade.
No caso de Brumadinho, Flávio Bastos, coordenador da Assessoria Técnica Independente da Região 3 da Bacia do Rio Paraopeba, solicitou a revisão da regra que prevê auxílio emergencial apenas para os que vivem a até um quilômetro da beira do rio, o que teria deixado de fora povoados inteiros de prejudicados, inclusive a comunidade quilombola de Pontinha.
O promotor André Sperling e o defensor público Antônio Carvalho defenderam uma ampla revisão do modelo predatório de mineração no Brasil, que ainda ameaça deixar Belo Horizonte sem água.