Revisão histórica da civilização do petróleo

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João Guilherme Sabino Ometto*

Por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), é importante lembrar, em meio à pandemia da Covid-19, que 7,7 bilhões de habitantes atuais da Terra estão testemunhando uma das mais impactantes e profundas transformações históricas, econômicas e ambientais de todos os tempos: o fim do que podemos chamar de “Civilização do Petróleo”, que abrangeu a Segunda Revolução Industrial, a partir de 1850, e a Terceira, de 1950 até nossos dias. São cerca de 170 anos de utilização do combustível fóssil como fonte de energia e alimentação da petroquímica. O novo coronavírus, cujo combate é prioritário, desviou a atenção da agenda da sustentabilidade, que precisa ser retomada, inclusive levando em conta os riscos de epidemias e dos danos à saúde pública.

É inegável que esse período foi o de mais prosperidade econômica da humanidade, não apenas em razão do petróleo, mas também do advento do aço e da eletricidade, entre os meados do Século XIX e do XX, e da tecnologia, depois de 1950. Também se deve ressaltar, apesar dos problemas e das desigualdades persistentes, o avanço social e político, com mais respeito ao trabalho digno, às minorias e aos direitos individuais e coletivos, inclusive os do consumidor.

No entanto, a sociedade global está pagando um preço elevado pelo progresso alcançado nesse espaço de tempo, desde que o primeiro poço petrolífero foi perfurado em Titusville, na Pensilvânia (EUA), em 1859. Na década de 70, o “ouro negro” já representava 50% do consumo mundial de energia e era a base do maior setor econômico, considerando-se sua importância como combustível e matéria-prima para uma infinidade de produtos. A petroquímica também tem origem norte-americana, em 1920, quando duas grandes empresas fabricaram isopropanol e glicol.

Em contrapartida aos importantes e incontestáveis bônus, são muitos os ônus do petróleo (ambientais e políticos). No primeiro caso, a chamada economia do carbono tornou-se insustentável ante as mudanças climáticas, a poluição atmosférica e os impactos ecológicos de alguns produtos derivados, como o plástico. Segundo dados recentes divulgados pela ONU, 80% de todo o lixo marinho são compostos por esse material.

Nos conflitos internacionais, o petróleo, infelizmente, é o “combustível”, ao lado de outros fatores, de muitos confrontos, incluindo o envolvimento do Estado Islâmico na atual guerra civil da Síria, pois sua venda, a partir de territórios ocupados pela organização nesse país e no Iraque, era um dos seus principais pilares financeiros. Além de um permanente estopim bélico no Oriente Médio, o óleo, igualmente, estava entre as principais riquezas econômicas em disputa na Segunda Guerra Mundial.

Embora seja incontestável o significado do petróleo para o avanço da humanidade, da manufatura e o desenvolvimento, é importante entender que a Quarta Revolução Industrial, na qual estamos entrando, não se materializa apenas na inteligência artificial, na internet das coisas, na impressão 3D e em toda a tecnologia que está alterando a estrutura da produção e do trabalho. Também faz parte do irreversível processo disruptivo, a substituição dos combustíveis fósseis por fontes energéticas renováveis, menos poluentes e mais sustentáveis.

Dentre estes, os biocombustíveis são os mais viáveis. Os avanços tecnológicos já viabilizam resultados, custos de produção e geração de volume de empregos muito próximos ou superiores aos proporcionados pelos fósseis. Além disso, para efeito de comparação, um litro de gasolina emite 2,3 quilos de dióxido de carbono (CO²); um litro de diesel libera 2,6 quilos. Estudo da Embrapa Agrobiologia demonstrou que o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar é capaz de reduzir em até 73% as emissões na atmosfera, quando utilizado em substituição à gasolina, e 68% ante o diesel. Para se chegar à conclusão, consideraram-se todas as etapas da produção do etanol e da gasolina, desde a cultura da cana e extração do petróleo, passando pelo processamento dos combustíveis, até a bomba dos postos de abastecimento. Finalmente, compararam-se as emissões dos veículos, num percurso de 100 quilômetros.

A transição do mundo à economia sem carbono, apesar de algumas resistências, vai se concretizando. Realizou-se em Berlim (Alemanha), em janeiro último, infelizmente quando começava a pandemia da Covid-19, a “Semana do Verde”, com a presença de ministros da Agricultura de vários países, inclusive do Brasil, Tereza Cristina, e participação da _Grow Green Food Association (GGFA), entidade apartidária internacional que cria e apoia iniciativas ambientais, de agricultura sustentável, alimentação saudável e economia social. Destaque, no evento, para a Conferência Internacional de Mobilidade Renovável, organizada pela Associação de Bionergia da Alemanha, União para Promoção de Óleos e Proteínas Vegetais, Associação Alemã da Indústria de Bioetanol e a Associação Alemã do Biogás. Autoridades germânicas anunciaram a meta de redução de nove milhões de toneladas de carbono no país, que está emitindo 683 milhões de toneladas por ano. Uma das medidas para dar suporte a esse objetivo é a definição de um preço para o carbono de 25 euros por tonelada em 2020, que deve crescer a 55 ou 65 euros por tonelada no prazo de 10 anos.

O Brasil participou do evento, por meio do Representante da Sociedade Civil no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), e mostrou que, apenas em 2020, com o RenovaBio, sua meta é reduzir, somente na área de combustíveis, 28,7 milhões de toneladas e, em 10 anos, 670 milhões. Isso equivale a um ano de toda a emissão da Alemanha. No RenovaBio, o preço do carbono não será definido de maneira exógena, mas sim pelo mercado. Mais de 235 produtores de biocombustíveis já estão certificados com notas de eficiência energético-ambiental emitidas para participar do programa, o que torna praticamente assegurado o cumprimento da meta de nosso país para este ano.

Que consigamos vencer o grande desafio da Covid-19 e que a paulatina transição da civilização do petróleo à era da energia sustentável, que será o grande marco da Quarta Revolução Industrial, também traga saúde, paz, felicidade, melhor distribuição de renda e menos disparidades regionais à humanidade.


*JOÃO GUILHERME SABINO OMETTO, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos – EESC/USP), é vice-presidente do Conselho de Administração da Usina São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura (ANA).



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